Apesar do afundamento da economia e dos escândalos de corrupção, muitos que ainda apoiam o governo preferem deixar os fatos de lado e fazer uma escolha ideológica – votar na candidata do PT seria votar pelo povo, pela “esquerda”, contra o candidato que representaria as elites e a “direita”. O que importa seria a luta de classes, o social contra o mercado, e tudo o demais, parte da guerra de propaganda da oposição, “malfeitos” ocasionais a serem corrigidos, ou problemas criados pelo contexto internacional.
A história das políticas sociais do PT ajuda a entender a dificuldade deste raciocínio. Lula chegou ao poder em 2002 anunciando o Fome Zero, que pretendia mobilizar a sociedade e colocar toda a produção agrícola do país nas mãos do Estado para garantir a “segurança alimentar” da população. Mal nascido, o programa foi enterrado depois que o IBGE mostrou que, mais que a fome, o problema do país era a pobreza e a obesidade. Em seu lugar veio o Bolsa Família, inspirado nos programas de “transferência condicionada de dinheiro” que já existiam no México (Oportunidades), Colômbia (Famílias en Acción), Chile (Subsídio Unitário Familiar) e outros.
O grande incentivador destes programas era o Banco Mundial, que propunha que as políticas sociais deveriam ser focalizadas nos mais pobres, e que por isto foi acusado de tentar destruir as políticas “universais” que, no Brasil, ainda colocam a maior parte dos recursos nas mãos dos mais ricos. De direita ou esquerda, o Bolsa Família, se não teve o impacto esperado na educação ou na saúde, nem melhorou a distribuição dos gastos sociais, trouxe algum alívio a milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, e por isto todos hoje concordam que deve ser mantido enquanto necessário.
[su_quote]Em uma eleição presidencial majoritária, o melhor candidato será aquele que, sem ignorar os conflitos de interesse e favorecer determinadas políticas, conseguir convencer a população de que é capaz de construir e desenvolver este consenso[/su_quote]
A segunda dificuldade é que, se por um lado é verdade que existem em toda parte conflitos de interesse entre pobres e ricos, trabalhadores e capitalistas, regiões ricas e regiões pobres, os países que conseguem avançar não são aqueles em que um lado se impõe, dividindo ou se apropriando do pouco que têm, mas os que conseguem construir consensos e gerar oportunidades e riqueza que continuarão a ser objeto de disputas de interesse, só que em patamar mais alto. Em uma eleição presidencial majoritária, o melhor candidato será aquele que, sem ignorar os conflitos de interesse e favorecer determinadas políticas, conseguir convencer a população de que é capaz de construir e desenvolver este consenso.
O mesmo raciocínio se aplica ao contexto internacional. É certo que oscilações da economia mundial podem afetar muito fortemente países como o Brasil, mas o que move a economia internacional não são, predominantemente, os conflitos entre o primeiro e o terceiro mundo, e sim os espaços e as possibilidades de cooperação, comércio e intercâmbio de conhecimentos, que beneficiam os que participam e deixam de lado os que se excluem por escolhas ideológicas que ignoram a realidade.
Fonte: Folha de S. Paulo, 20/10/2014
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