Somos o que cremos, defendem economistas comportamentais, alguns filósofos e psiquiatras. Por exemplo, alguém que creia ser possível e louvável criar um mundo melhor somente ou prioritariamente através da ação do Estado precisa de uma ideologia. Quem crê o contrário não precisa. É uma clivagem fundamental, pois a busca por um mundo melhor através da ação do Estado requer (concentrar poder) criar burocracia estatal ativa, que desenvolve objetivos próprios e clientelas e que capturam o sistema político, entrincheirando-se com demandas crescentes. A aliança entre políticos, burocratas estatais (inclusive os de empresas estatais) e suas clientelas privadas, com benefícios concentrados e interesses alinhados, precisa minimizar (transparência) para passar do formalismo burocrata em servir todos os cidadãos igualmente, para a escolha seletiva, o patrimonialismo e a economia de compadrio (poder discricionário).
Finalmente chegamos à corrupção. Prova-se fórmula de Robert Klitgaard C= CP+PD-T (corrupção = concentração de poder + poder discricionário – transparência).
[su_quote]O único caminho é diminuir a concentração de poder e manter a liberdade de imprensa e de escolha das pessoas[/su_quote]
Ao contrario das ideologias, sejam na forma de teocracias, socialismos, comunismos, capitalismos de Estado, a liberal democracia (liberalismo clássico que criou o Estado Democrático, fruto do iluminismo) não é uma ideologia, portanto nada de bandeiras, cores, flores, hinos, “homem massa”, “locomotivas estatais”, “modelos”, “planejamentos centrais”. Baseia-se numa razão crítica, inacabada, que pressupõe tolerância, que é a convivência pacífica entre pessoas diferentes e consciência de que o conhecimento e a ação humana são limitados, que o progresso humano vem da sua criatividade, por tentativa e erro. Talvez esse seja o problema do liberalismo, seu laicismo racional e o respeito pela democracia moderna, que gera uma “fraqueza motivacional” (Habermas) que as ideologias não demonstram.
Ideologias e corrupção estão ligadas pela concentração do poder estatal. Das experiências comunistas aos capitalismos de Estado. Nos países desenvolvidos que viveram e vivem experiências liberal-democráticas, o poder político é descentralizado e estatais não existem ou são poucas, regulamentação sobre abrir e fechar empresas é simples e a transparência, refletida na imprensa livre, é grande e protegida. É nesses países que a corrupção é muito menor.
Crenças ideológicas sempre trouxeram corrupção. O PT não é um ponto fora da curva. Mas, na fórmula de Klitgaard, não existe a variável “impunidade”. Se formos somente nesta direção, o esforço atual será desperdiçado. A corrupção se tornará mais cara, insidiosa, ousada. O único caminho é diminuir a concentração de poder e manter a liberdade de imprensa e de escolha das pessoas. Desconcentrar poder significa desestatização, regulamentação menos abusiva e no limite, concessões de serviços ao setor privado. E mais federação. Resolve-se de quebra enormes problemas políticos.
Fonte: O Globo, 20/8/2015
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