“Eu não tenho nenhum respeito pela paixão pela igualdade, que me parece meramente uma idealização da inveja.” (Oliver Wendell Holmes, Jr.)
No seu brilhante livro “The Constitution of Liberty”, Hayek trata da distinção entre valor e mérito naquele que é um dos melhores capítulos da obra. Para Hayek, o único tipo de igualdade que podemos buscar sem destruir a liberdade é aquela perante as regras gerais, perante as leis. A igualdade de resultados é totalmente incompatível com a liberdade. Está na essência dessa demanda por igualdade perante a lei, que pessoas devem ser tratadas da mesma forma ainda que sejam diferentes. Existem, já no nascimento de um bebê, infinitas características que irão contribuir para seu crescimento. Se as diferenças entre os indivíduos não importam, então a liberdade também não é importante. As habilidades, a genética, as paixões e ambições, enfim, várias características serão diferentes caso a caso. A igualdade perante a lei que a liberdade exige levará, portanto, a uma desigualdade material.
A demanda por uma igualdade de resultados costuma partir daqueles que gostariam de impor à sociedade um padrão preconcebido de distribuição. A coerção necessária para realizar essa suposta “justiça” seria fatal para a liberdade da sociedade. O ponto de largada de cada um nunca será igual. A herança genética já é diferente. Em seguida, o ambiente familiar, o tipo de educação dos pais, os círculos de amizade, enfim, inúmeras características terão influência na formação do indivíduo, sendo impossível determinar quanto de cada uma é responsável por suas escolhas. Para Hayek, quando se busca o motivador pelas demandas de igualdade nos resultados, ignorando que as pessoas são diferentes, encontra-se a inveja que o sucesso de alguns provoca nesses não tão bem sucedidos. E a inveja, segundo John Stuart Mill, é “a mais anti-social e maligna de todas as paixões”.
Em um sistema livre, não é possível nem desejável que as recompensas materiais sejam correspondentes àquilo que o homem reconhece como mérito. O mérito em questão está ligado ao aspecto moral da ação e não ao valor alcançado por ela. Se os talentos de um homem são extremamente comuns, dificilmente terá elevado valor financeiro, e não há muito que se possa fazer quanto a isso. O valor que as capacidades de alguém ou seus serviços têm para a sociedade não possui muita relação com aquilo que chamamos de mérito moral. O mérito é um esforço subjetivo, enquanto esse valor financeiro em questão é objetivamente mensurável. Um esforço em produzir algo pode ter bastante mérito, mas ser um fiasco em resultado, enquanto um resultado valoroso pode ser atingido por acidente. Podemos julgar com algum grau de confiança apenas o valor do resultado, não das intenções ou dos esforços. Em resumo, o mesmo prêmio vai para aqueles que produzirem o mesmo resultado, independente do esforço. Quem não concorda deve se questionar se aceitaria pagar mais por uma pizza somente porque o entregador veio andando, e não de moto.
Muitas pessoas, principalmente intelectuais, costumam confundir valor e mérito. No dicionário Michaelis, valor contém inúmeras definições, mas duas em especial nos interessam. Uma diz que valor é o “caráter dos seres pelo qual são mais ou menos desejados ou estimados por uma pessoa ou grupo”. Esse conceito não é o do nosso interesse, e justamente por causa dessa definição muitos fazem confusão. O valor que estaremos utilizando aqui é a “apreciação feita pelo indivíduo da importância de um bem, com base na utilidade e limitação relativa da riqueza, e levando em conta a possibilidade de sua troca por quantidade maior ou menor de outros bens”. Em resumo, é o conceito de valor financeiro. Já mérito estará diretamente atrelado ao esforço do indivíduo.
É curioso notar que são os igualitários que brigam pela igualdade financeira, sendo, portanto, os mais materialistas. Afinal, o valor ligado à estima do caráter não depende da conta bancária. Independente do fato de um jogador de futebol ser mais rico que um médico que salva vidas, pode-se continuar estimando mais o segundo. Há mais que dinheiro na vida. Só não é correto reduzir na marra a diferença entre suas riquezas, ainda mais usando o pretexto da “justiça social”. Foi a própria sociedade que livremente decidiu avaliar o jogador com mais generosidade que o médico, dado as restrições de oferta e demanda. O jogador não tem culpa de ter um talento mais raro e demandado, e usar a coerção estatal para tentar equalizar os ganhos é a garantia da destruição da liberdade. Hayek deixa claro que considera o princípio da justiça distributiva oposto a uma sociedade livre.
Pode-se falar, no máximo, em melhores condições para os mais necessitados, ou em uma rede de proteção básica. Mas é importante notar que até mesmo a igualdade de condições é contrária à liberdade. Já ao nascimento as pessoas largam de condições diferentes, através da genética, educação familiar, rede de amizades etc. Falar em igualdade de condições seria o mesmo que proibir a existência de Harvard. Seria nivelar pelo pior. A plena igualdade de condições exigiria que todos nascessem no mesmo berço. Seria como quebrar as pernas de quem pode correr mais somente porque um dos corredores está numa cadeira de rodas. Seria preciso acabar com a herança, e nem isso seria suficiente. Até mesmo a igualdade de condições, como fica claro, é incompatível com a liberdade.
Deixo a conclusão com o próprio autor: “Em outras palavras, devemos olhar para os resultados, não para intenções ou motivos, e podemos permitir que aja com base no seu próprio conhecimento apenas se também permitirmos que mantenha aquilo que os demais estão dispostos a pagar-lhe pelos seus serviços, independentemente do que se possa achar sobre a propriedade da remuneração do ponto de vista do mérito moral que o indivíduo possui ou da estima que temos por ele enquanto pessoa”.
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