Meio batida, mas não menos verdadeira, é a frase atribuída a Otto von Bismarck: “nunca se mente tanto quanto antes das eleições, durante a guerra e depois da caça”.
Não poderia ser diferente no caso dos programas econômicos dos candidatos: depois que Pai Ciro prometeu trazer seu amor de volta e limpar seu nome no SPC não falta quem proponha soluções simples (e erradas) para problemas complexos.
No programa econômico de Jair Bolsonaro, incluído em seu já mitológico (opa!) Projeto Fênix, por exemplo, abundam a matemágica e fintas de dar inveja ao Ronaldinho Gaúcho, a começar pela proposta de zerar o déficit primário já no primeiro ano de governo, “partindo de um movimento de gestão pública moderna, baseado em técnicas como o ‘Orçamento Base Zero'”.
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A ideia de que podemos começar tudo do zero e eliminar desperdícios é tão sedutora quanto juvenil. Não tenho a menor dúvida que há muito o que cortar no gasto do governo sem que se perca a qualidade das políticas públicas (o sarrafo é baixo, admito).
O problema é que praticamente 90% do gasto público federal está predeterminado: 60% do total destina-se ao pagamento de aposentadorias e pensões (incluindo funcionários inativos e o benefício de prestação continuada); outros 10-11% referem-se aos funcionários na ativa, que tipicamente gozam de estabilidade; já as despesas obrigatórias somam outros 10%, assim como as ditas discricionárias com vinculação (o piso de gastos com educação, saúde, bem como os demais Poderes).
O governo federal controla, portanto, pouco menos de 10% do que gasta. Podemos fazer “Orçamento Base Zero”, base 1, base 2, ou base “N”; nada muda, porém, esse fato elementar. Posto de outra forma, mesmo se pudéssemos reduzir o gasto discricionário (algo como 2% do PIB) à metade, e torcer para que o gasto obrigatório parasse de crescer, o déficit primário, na casa de 1,5% do PIB hoje, ainda seguiria, firme e forte, em 2019.
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Em outro trecho estima-se “reduzir em 20% a dívida mobiliária, por meio de privatizações, concessões, vendas de propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos de instituições financeiras oficiais”.
Isto representa, de acordo com o programa, um valor na casa de R$ 1 trilhão, enquanto, segundo o Tesouro Nacional, o valor da participação do governo em todas estatais (incluindo, por exemplo, o BNDES) seria da ordem de R$ 250 bilhões, pressupondo que a Petrobras seria também privatizada.
Há, é verdade, cerca de R$ 1 trilhão em bens imóveis da União, mas estes incluem parques e reservas federais, estradas, aquartelamentos (pois é…), escolas e obras em andamento, para os quais não há comprador.
Com grande dose de boa vontade talvez R$ 350 bilhões possam ser vendidos, embora o valor envolvido seja provavelmente bem menor. Na prática não se chega nem perto de R$ 1 trilhão.
Completando a mágica não poderia faltar a proposta de migração do regime previdenciário atual de repartição para capitalização. O documento candidamente reconhece que “a transição de um regime para o outro gera um problema de insuficiência de recursos”, mas promete que “será criado um fundo para reforçar o financiamento da previdência e compensar a redução de contribuições previdenciárias no sistema antigo”.
Se o leitor não entendeu de onde virá o dinheiro não se apoquente: eu também não, muito menos os autores da proposta.
Funciona bem em festa de criança, mas prestidigitação é um jeito arriscado de governar o país.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 29/08/2018
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