O resultado das eleições municipais no Brasil e a recente vitória de Donald Trump têm levado muitos analistas a declarar uma guinada do eleitor rumo à direita e uma derrocada dos partidos de esquerda. Engana-se, contudo, quem pensa que a população se comove com algum lado do espectro ideológico. Ao defenderem mais gastos do governo sem critérios claros, grupos à esquerda invariavelmente falham por não atentar para a efetividade nem para o custo social de suas propostas. Agora os novos governos mais à direita terão de mostrar que reformas e controle de gastos serão compatíveis com melhorias de bem-estar social. Caso contrário, perderão apoio e abrirão espaço, no futuro, para novas contestações da esquerda. Um pêndulo interminável, cujo vaivém nos impede de mirar o que realmente importa: melhorar a vida das pessoas.
Bons projetos não têm ideologia, tampouco se apegam a correntes teóricas. Bons projetos geram impacto efetivo. Os governos que querem realmente fazer diferença devem começar perguntando: quais as reais necessidades da população-alvo? Como reduzir suas vulnerabilidades garantindo ao mesmo tempo eficiência no uso dos recursos aplicados? As suas propostas são respaldadas por análises que efetivamente comprovam melhorias? Embora tudo isso pareça óbvio, convido o leitor, se puder, a contatar o político que ajudou a eleger e checar se ele tem respostas objetivas a essas perguntas.
Considere três exemplos de projetos com impacto comprovado, incluídos em uma pesquisa que nós, do Insper, fizemos em parceria com o Accenture Institute for High Performance. O Poupatempo, iniciado no estado de São Paulo em 1997, centralizou em um único local a emissão de documentos e reduziu o tradicional papel dos despachantes. Um estudo de impacto verificou que, ao longo de cinco anos, a população atendida poupou 162 milhões de minutos com esse novo processo, o que corresponde — já que tempo é dinheiro — a um valor estimado de 53 milhões de reais. Ainda no mesmo estado, no município de Osasco, um programa da prefeitura iniciado em 2005 estabeleceu títulos de propriedade de terrenos para moradores de favelas. Segundo outro estudo, a iniciativa permitiu a eles devotar mais tempo ao trabalho remunerado fora de casa, provavelmente porque sentiram que os seus bens pessoais ficaram mais seguros e regularizados. Finalmente, na cidade de Sobral, no Ceará, foi implantado em 2000 um dos mais impressionantes projetos de gestão educacional. A partir de um grande número de iniciativas, que envolvem metas de desempenho, treinamento dos professores e redesenho dos processos pedagógicos, Sobral conseguiu avançar da lanterna para o topo nos rankings nacionais de educação, de forma muito mais acelerada e efetiva que muitas outras cidades e estados.
Além de não terem ideologia, bons projetos também não têm partido. O Poupatempo foi implantado e gerido pelo PSDB; o projeto de Osasco, pelo PT; e Sobral tem sido gerida por uma sequência de partidos: PSDB, PPS, PSB e PT. Também não têm preconceito contra gestão pública, privada ou qualquer outra coisa no meio. Normalmente envolvem uma ampla interação entre as populações afetadas, governos locais e organizações privadas. É só querer fazer, com muita clareza nos objetivos, foco em reais necessidades e alinhamento de toda a máquina gestora para resultados. Nessa linha, alguns governos vêm remunerando os funcionários envolvidos com bônus atrelado ao impacto dessas iniciativas. Outros passaram a condicionar pagamentos a terceiros com base em indicadores sociais e metas de execução contratual. Uma inovação ainda mais recente são os chamados contratos de impacto social, que canalizam recursos de investidores para apoiar projetos voltados a populações vulneráveis. Esses investidores só recebem retorno do seu capital investido se as metas sociais forem atingidas, validadas por estudos independentes.
Impulsionando essa tendência, caberá a nós, eleitores, fazer o mesmo: repelir discursos calculados em ideologia e premiar nas urnas propostas que, com fatos e números, tenham grande chance de gerar real impacto na vida dos cidadãos.
Fonte: “Veja”, 21 de novembro de 2016.
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