A crise hídrica vai atingir com força a agropecuária brasileira. Diante do racionamento de água que se avizinha, as perdas no setor serão bilionárias, muito acima dos prejuízos que já são sentidos com a atual seca. O economista Fabio Silveira, diretor de Pesquisas Econômicas da GO Associados, estima em R$ 20 bilhões a queda na receita agrícola do país este ano se houver corte de 10% no fornecimento de água na região Sudeste. Um recuo de 6,7% na receita do ano passado, que foi de R$ 300 bilhões. O valor da perda equivale a tudo o que o governo quer arrecadar este ano com o recente aumento de impostos na gasolina, no crédito e nas importações.
— A agricultura consome 70% de toda a água usada no país. O Sudeste responde por mais de metade do consumo, considerando todas as atividades econômicas. Uma redução na região teria esse impacto de R$ 20 bilhões na renda do setor — calculou Silveira.
A região Sudeste concentra três importantes culturas para a economia brasileira, seja no PIB ou nas exportações: café, laranja e cana-de-açúcar. No ano passado, a safra total de grãos cresceu 2,4%, enquanto, no Sudeste, caiu 9,3%, segundo o IBGE.
— E houve aumento da área plantada, o que indica queda da produtividade — disse Mauro Andreazzi, gerente das pesquisas agrícolas do instituto.
O café tem produção bianual — um ano a produção sobe mais e no outro, cai. Essa lógica se perdeu com a seca que vem desde o ano passado. Em 2014, ano que deveria ser bom para a cultura do café, quando se esperava colheita de até 54 milhões de sacas, foram colhidas 49 milhões.
— Na melhor das hipóteses poderemos repetir esse número este ano — afirma José Carlos Hausknecht, diretor da MB Agro.
O ex-ministro da Agricultura e professor da GV Agro Roberto Rodrigues também vê perdas:
— Haverá redução de margem, sem dúvida. O setor continuará contribuindo positivamente para o PIB, mas as margens vão se comprimir, diminuindo a renda agrícola.
A União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica) estima redução de 4,42% na safra 2014/2015. Exatamente no momento em que o etanol fica mais competitivo em relação à gasolina, depois que o governo restituiu a Cide (contribuição para investimento no setor de transporte) e aumentou a alíquota de PIS/Cofins tanto para gasolina quanto para o diesel, o que provocou reajuste médio de 7% nesses combustíveis. Até meados de janeiro, os produtores do Centro Sul do Brasil já perderam R$ 3 bilhões, diz a Unica.
Segundo Hausknecht, da MBAgro, a seca pode tirar até 8% da safra este ano e, na laranja, as perdas estão estimadas entre 15% e 20%:
— Em algumas regiões, a perda pode ser de 30%.
A soja, nosso principal produto de exportação juntamente com a carne, deve passar sem muitos arranhões pela crise hídrica. A produção está concentrada nas regiões Sul e Centro-Oeste, o que diminui o risco. A queda de soja e milho deve ficar em 4%, nas contas da consultoria.
Setor responde por 5,7% do PIB
A seca deve frustrar as primeiras previsões de alta de 5% na colheita de grãos, eixo do setor que junto com a pecuária responde por 5,7% do Produto Interno Bruto (PIB). No máximo a safra vai repetir 2014, pois mais de 90% da produção agrícola dependem apenas da chuva, que está abaixo da média em dezembro e janeiro. Dos 55 milhões de hectares plantados, só cinco milhões são irrigados.
— Estamos recebendo informações do campo, através da Conab, para ter mais precisão do que está acontecendo nas Ceasas e nos entrepostos em relação à entrada de produtos e aos preços praticados. Nesse momento, vamos trabalhar para fortalecer aquelas áreas produtivas que não devem ser afetadas, para que produzam mais — afirmou Nelson Ananias Filhos, assessor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
A ideia é crescer a produção na Bahia, por exemplo. Em São Paulo, segundo Ananias, houve acordo para que que não fosse cortada a água para os lavradores que ainda estão colhendo. Uma exceção, já que o consumo humano tem preferência sobre o uso da agricultura. Quem vai sofrer em São Paulo são os hortifrutigranjeiros, que usam irrigação:
— A produção de hortaliças, café e frutas pode cair de 20% a 30%, chegando a 40% em São Paulo.
O efeito dessa seca já chegou aos preços. A alta dos alimentos medida pelo IPCA, do IBGE, foi de 1,80% somente em janeiro na Grande São Paulo.
Segundo Luís Henrique Bassoi, pesquisador da Embrapa Semiárido, em janeiro, as chuvas ocorreram em volume menor que a média:
— As áreas com maior deficiência hídrica estão no Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste. Como estamos em plena safra de verão nas duas primeiras regiões, a redução da colheita ocasionada pela falta de chuvas pode ocorrer. Em alguns locais das regiões Centro-Oeste e Sudeste, onde as chuvas estão abaixo da média, houve interrupção da irrigação para privilegiar o consumo humano, com perda da safra também no caso da agricultura sem irrigação.
Além da seca, produtos como açúcar e laranja sofrem com o mercado internacional, lembra o ex-ministro Roberto Rodrigues:
— Há uma nítida perda de produtividade e da rentabilidade dos produtores. No café, ainda se espera alta dos preços internacionais, mas a oferta mundial de laranja continua grande, e o açúcar perde mercado com os subsídios brutais dados por produtores como Índia e Tailândia.
Rodrigues lembra que o transporte fluvial ficou prejudicado com a seca, elevando o custo do transporte, pois o diesel ficou mais caro este ano.
Fonte: O Globo.
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