Retornando da folia do Momo é hora de recomeçar o ano e voltar ao trabalho. Nesta semana, dentre os fatos em destaque, como a ata do Fomc, em tom mais suave, e a visita do ministro Joaquim Levy aos EUA, com boas declarações, foquemos nossas atenções em tentar enxergar alguma saída plausível para o impasse entre o governo grego, liderado pelo partido radical de esquerda Syriza, e a troika, sob a batuta do Comitê Europeu, FMI e BCE.
Enquanto escrevemos, na sexta-feira à tarde (20/02), não sabemos ainda como será o acordo entre as partes (ou se haverá). Os gregos queriam um “empréstimo ponte” de mais quatro ou seis meses, mas sob condições de ajuste mais suaves, e a troika até aceitaria esta extensão, mas desde que respeitadas as regras de ajuste antes impostas. Façamos então uma análise sobre os descaminhos da Grécia na Zona do Euro e seu possível desfecho.
Breve histórico– Tudo começou depois que a Grécia ingressou na Zona do Euro em 2001. Quando isto ocorreu, os limites do Tratado de Maastrich, negociados na década de 90, de 3,0% de déficit primário e dívida pública de 60% do PIB, acabaram “relaxados”. Para fortalecer os países ingressantes, a Zona do Euro “flexibilizou” muitas regras e liberou recursos para fortalecê-los. Depois da crise de 2007/08, políticas fiscais ativas e keynesianas foram adotadas, com o intuito de tentar tirar os países da região da recessão, duramente afetados pela retração do crédito. Muitos países passaram então a ter dívidas ainda maiores, acima de 100% do PIB e déficit crescente. Em seguida, vários programas de ajuste acabaram por ser adotados, isto porque ocorreram políticas de aumento de gastos, antes já muito elevados.
Um problema da região é que, embora buscando uma convergência macro, o euro não logrou êxito neste intento, pelas gritantes diferenças de produtividade entre os países membros, além de regimes econômicos e fiscais próprios, fruto de anos de welfare state (“anos dourados”). Este, aliás, é um ponto a ser debatido.
As economias da região possuem um grande “cinturão de seguridade social”, mas são pouco eficientes, com pouca capacidade de resposta a eventuais choques econômicos adversos. Os custos de transação são excessivos entre os 19 países, em especial, França, Espanha, Portugal e Grécia. Contratar, demitir, investir nestes países, são decisões onerosas, dada a alta carga fiscal existente para sustentar este “cinturão de seguridade”. A Zona do Euro vive a chamada “euroesclerose”, uma população envelhecida, pesando na Previdência Social, com grande parcela dos jovens sem perspectiva de emprego.
Quando a Grécia se viu em ameaça de default e de sair da Zona em 2010, um comitê de credores, a troika, acabou criado, e um pacote anunciado, no total de € 172 bilhões, mediante parcelas periódicas de € 7,2 bilhões usadas na rolagem da dívida grega. Sobre as condicionalidades deste pacote, um ajuste fiscal forte foi adotado, trazendo custos sociais severos ao país.
Situação da economia grega – Desde 2009, o desemprego foi a mais de 24% da PEA, a queda da renda per capita chegou a 22% e a dívida pública aumentou mais de 35%, a 175% do PIB. Em contraposição a isto, o déficit primário, em torno de 10% do PIB em 2010, se tornou positivo, atualmente em torno de 3% do PIB, e o PIB, depois de trimestres seguidos de forte retração, se reverteu em crescimento de 1,7% no terceiro trimestre de 2014. Esta tênue recuperação da economia grega, aliás, ocorreu em paralelo ao limite de tolerância do povo grego, que acabou por optar por um governo radical de esquerda, num viés mais populista, que respondesse à crise existente.
Superávit fiscal: um debate em aberto. No pacote negociado com a troika, os gregos devem perseguir um saldo primário em torno de 3% neste ano, elevado a 4,5% do PIB nos dois seguintes. Interessante observar que resultados fiscais positivos ao ano, acima de 3%, pouco foram obtidos na Zona do Euro nos últimos anos. Segundo um estudo do economista Barry Eichengreen, desde 1995 a Grécia conseguiu apenas em 2000 um superávit fiscal de 3,6% do PIB e a Alemanha em apenas duas ocasiões, no quarto trimestre de 2007 e no primeiro do ano seguinte.
Somado a isto, à nível global, entre 1974 e 2013, apenas três países obtiveram e sustentaram saldos primários positivos, acima de 5% do PIB: Cingapura, Noruega e Bélgica. No ano passado, a Grécia, a Itália e a Alemanha conseguiram superávits acima de 2%, e o resto abaixo disto. Ou seja, obter saldos primários positivos por um longo período, ainda mais com os excessos de benefícios sociais existentes na Zona do Euro, não é tarefa das mais fáceis.
Impasse atual– Se refere mais à questão do “empréstimo ponte” demandado pela Grécia para financiar a dívida pública, a ser obtido num prazo de quatro a seis meses. O problema é que os credores, liderados pela Alemanha, querem manter o programa de ajustes ao país helênico. Estes lutam por um saldo primário menor nos próximos anos, em torno de 1,5% do PIB, menos privatizações e cortes de salários e benefícios e pagamento limitado a € 17 bilhões por ano. Ou seja, os gregos querem uma extensão do acordo sob outras condições e os credores fazem “jogo duro”. Uma preocupação é evitar que outros países da região sigam o mesmo caminho. Ou seja, seria uma espécie de moral hazard, “se os gregos podem obter condições mais vantajosas, por que não outros países?”.
Isto também nos leva a concluir que dificilmente um governo consegue se sustentar no poder por muito tempo se envolvido com medidas fiscais austeras e impopulares. Foi assim com o governo socialista na Espanha, derrubado por um conservador do partido “Podemos”, Mariano Rajoy, o mesmo ocorrendo na França, com a saída do conservador Nicolas Sarkozy e a vitória do socialista François Hollande. Ou seja, a necessidade destes ajustes pesados só tende a acelerar a instabilidade política e beneficiar os opositores. Foi isto que aconteceu na Grécia e no resto da Europa.
Risco de saída da Grécia da Zona do Euro (Grexit)– Continua na ordem do dia, com algumas instituições estimando probabilidade próxima a 50%. O contágio sobre o sistema financeiro europeu, no entanto, seria bem menor do que em 2012. Hoje, a arquitetura de resgate da Zona do Euro é bem mais robusta do que no passado, com o conhecido Fundo de Estabilização Financeira. Soma-se a isto o fato da Grécia ter um sistema financeiro bem menos conectado com o europeu. Estudos do BIS indicam que a exposição (exposure) dos bancos europeus aos títulos da Grécia era de € 77 bilhões em setembro de 2014, quando cinco anos atrás chegava a € 250 bilhões.
Comentários finais – As negociações entre os credores e a Grécia se prolongaram. Acreditamos que ambos terão que ceder um pouco para chegarem a um acordo. Um sinal positivo dado pelos credores no passado foi aceitar que os prazos dos ajustes fossem estendidos. Agora, no caso grego, isto só será possível com muita negociação. Politicamente, no entanto, caso isto seja obtido, será uma vitória do Syriza. Achamos, no entanto, que novas negociações acabarão inevitáveis no resto da Europa, mas cada caso terá que ser analisado individualmente.
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