Continuam intensos os boatos sobre a troca do ministro da Fazenda. Na semana passada, dois eventos foram simbólicos neste sentido: um, o encontro de Joaquim Levy com senadores de variados partidos, outro, um evento da CNI, com a presença dele e do seu eventual substituto, Henrique Meirelles.
No primeiro, chamou atenção a má vontade dos senadores, em especial do PT, em “silêncio”, não respondendo às indagações sobre o porquê do impasse para a aprovação do pacote fiscal e várias críticas contundentes. Foi um “verdadeiro massacre”. No outro, promovido pela CNI, chegou-se a um ponto em que estes dois personagens, Meirelles e Levy, sentaram juntos e realizaram palestras quase que um complementando o outro. De fato. Não há antagonismos entre ambos sobre como conduzir a economia. Talvez a única divergência seja o fato de Meirelles ter, neste momento, mais capacidade de articulação política e ter maior trânsito no Congresso. Durante este evento, inclusive, Levy fez questão de ressaltar as semelhanças de posição entre ambos. Meirelles defendeu um ajuste estrutural de longo prazo para a economia e relativizou sobre a urgência da CPMF, uma discordância entre ambos.
Ao longo da semana ventilaram que talvez o “futuro” ministro possa ter feito exigências demais para assumir a Fazenda. Disse que para ser ministro teria que ter o controle total do Planejamento, do BACEN e dos dois bancos públicos federais, CEF e BB. Ou seja, para assumir, Nelson Barbosa e Alexandre Tombini teriam que pedir o boné e ele se transformar no “Czar da Economia”. Isto pode ter contribuído para um esvaziamento da sua indicação ou mesmo uma “forçada de barra” para ser descartado, sem ter que recusar esta dura missão.
Não há como negar, no entanto, a pertinência destas exigências. O excesso de ruídos na relação entre Fazenda e Planejamento foi um dos fatores para o desgaste do ministro Levy. De um lado, um ministro formado em Chicago, mais ortodoxo, defendendo medidas de corte de despesas mais pesadas, do outro, um mais heterodoxo, um desenvolvimentista “meio envergonhado”, mais leniente com o ajuste fiscal. Outro desgaste, desta vez político, foi sua dificuldade na aprovação de medidas essenciais, muito duras para serem aprovadas no Congresso. Sobre isto, lembremos do primeiro pacote de ajustes no primeiro bimestre deste ano, quando foram propostos cortes mais incisivos nas despesas, próximos a R$ 80 bilhões, amenizados a R$ 50 bilhões por ingerência de Barbosa, Mercadante e a própria presidente. Por fim, teríamos a total rejeição pelo retorno da CPMF, num potencial de caixa de R$ 32 bilhões anuais.
[su_quote]Achamos a crise atual, essencialmente política e moral, não passível de correção apenas por um ajuste fiscal[/su_quote]
O fato é que não acreditamos em grandes mudanças com Meirelles na Fazenda. Ambos rezam pela mesma cartilha, são ortodoxos, prezam pela seriedade no trato das contas públicas e extrema cautela no balizamento da taxa de juros. Meirelles, quando presidente do BACEN, inclusive foi muito atacado pelo “fogo amigo” do PT e isto, na certa, deve se repetir agora na Fazenda, dada sua seriedade e necessidade de um profundo rearranjo do setor público. Ele (assim como Levy) buscaria a melhoria na qualidade dos gastos públicos e novas fontes de receita para, a partir daí obter um resultado fiscal, próximo ao prometido, em torno de 0,7% do PIB.
Uma constatação, aliás, se torna essencial neste momento: para conseguir reverter a onda de desconfiança atual, ter uma agenda mais positiva, essencial será que este ajuste fiscal evolua e, para isto, medidas duras se tornam inevitáveis (mesmo com todas as dificuldades políticas no meio do caminho). Isto, no entanto, não exclui o fato de que boa parte da crise atual tem origem na situação política atual, no impasse permanente entre governo e parte da bancada no Congresso, na incapacidade de articulação e de governabilidade da presidente, no PMDB já pensando em 2018 (além de Lula, já candidato à presidência), na falta de uma agenda alternativa no PSDB, etc.
Neste sentindo, poderíamos até lembrar algumas crises parecidas nos últimos anos, uma, em 1999, por ocasião de profunda crise cambial e da mudança do regime monetário; outra, em 2003, depois da posse do presidente Lula, naquele momento, cercado de desconfiança.
Em 1999, depois da saída do presidente do BACEN, Francisco Lopes, e a ascensão de Armínio Fraga, um acordo com o FMI acabou “costurado” para o recebimento de US$ 42 bilhões, até porque vivíamos de fato uma crise cambial, dada a âncora nominal adotada nos tempos de implantação do Plano Real. Em paralelo, o governo definia uma meta fiscal mais pesada, de superávit de 3,1% do PIB, obtida depois, com o resultado de 3,13%. Em 2003, depois da “Carta aos Brasileiros”, Lula formou uma equipe econômica mais amigável ao mercado e perseguiu uma meta fiscal mais ambiciosa, obtendo superávit em torno de 3,23% do PIB, acima do resultado de 2002 (3,19%).
Voltando a 2015, o que se observa é uma situação muito mais complexa do que nos períodos citados. Em 2014, talvez pelo esforço de eleição da presidente, numa disputa muito acirrada, o resultado fiscal acabou negativo em 0,6% do PIB. Ao início do segundo mandato, mesmo com equipe nova e no esforço de apagar as barbeiragens do primeiro mandato, foram sendo anunciadas metas fiscais, mas todas revisadas ao longo do ano. Em janeiro, quando da posse do governo e da equipe econômica, a meta, antes estipulada em 2,5% do PIB, foi revisada a 1,2% do PIB. A arrecadação pífia neste ano, no entanto, acabou derrubando-a, até chegar ao desastroso déficit de até R$ 120 bilhões, depois de incluído o pagamento das “pedaladas fiscais”, no total de R$ 57 bilhões. Sobre este, ainda não se sabe se será paga de uma só vez ou de forma escalonada nos próximos meses.
Devemos salientar, no entanto, que neste momento a economia está em recessão, o PIB mergulha 3,5% neste ano e próximo a 2,5% em 2016; a inflação passa de 10% e pode passar de 7,0% em 2016, o câmbio está depreciado em 50%, o juro em 14,25% e o desemprego ameaçando chegar a 10% da PEA. Soma-se a isto, o mundo ensaiando uma reação nestes duros tempos de China em desaceleração e commodities em baixa, o que não acontecia, por exemplo, em 2003.
Soma-se o fato de que vivemos uma crise política permanente, em impasse entre governo e parte do Congresso, a presidente com os piores índices de popularidade e a confiança, variável chave para retomar o crescimento, também nos piores patamares históricos das pesquisas da FGV.
Isto tudo, portanto, nos ajuda a explicar as dificuldades do ministro Levy em avançar no rearranjo fiscal que vem tentando implementar. Rearranjo este que exige sacrifícios de todos, não aceitos por um governo extremamente contaminado por interesses políticos. Caímos então no “buraco negro”, quando se buscam saídas, consensos, para a superação da atual crise.
Como obter isto neste momento?
Marina Silva, por estes dias, defendia um encontro de ex-presidentes, Lula e FHC, para debaterem a crise, buscarem saídas. Não acreditamos, até porque grande parte desta crise foi gestada pelo ciclo petista, nestes mais de doze anos no poder. Poder-se-ia até argumentar que o modelo político, chamado “presidencialismo de coalizão” (ou de cooptação), se esgotou, sendo necessária uma reforma política. Achamos, no entanto, que esta crise atual é resultante da péssima gestão fiscal no primeiro mandato e dos escândalos de corrupção ocorridos.
Achamos a crise atual, essencialmente política e moral, não passível de correção apenas por um ajuste fiscal. Levy acabou engolfado por isto. Além disto, a “fatura” acabou chegando porque este governo (e o anterior) “esticou a corda demais”, não adotando reformas estruturais essenciais. Poderíamos falar da tributária, da trabalhista, da política, mas a mais urgente neste momento seria a da Previdência, dada a “transição demográfica” em curso, o aumento da “expectativa de vida” da população, seu envelhecimento, a formalização no mercado de trabalho, etc. Estudos indicam que a dívida da Previdência deve estourar R$ 200 bilhões em 2020. Chegando a isto, não haverá ajuste pontual que dê jeito.
Por fim, dada a crise política atual, indicadores econômicos em deterioração, ambiente de acirramento de posições, não resta dúvida que vivemos uma crise diferente, bem mais complexa do que outras no passado recente. Há saída? Talvez a costura de um amplo pacto político, à semelhança do tentando por Tancredo Neves em 1984/85, poderia ser uma solução. Mas com este governo? Realmente, não acreditamos.
Vivemos uma crise de impasses e intransigências. Se ninguém ceder, reconhecer seus erros, não sairemos do lugar.
No Comment! Be the first one.