Importa desembargar o Judiciário
A começar pelos títulos: desembargador só existe no Brasil e em Portugal. No resto do mundo o juiz promovido continua juiz. Tampouco se transforma em ministro, termo que é usado nos demais idiomas para o ato de ensinar, ministrar.
Ao conceber o Estado, o Brasil importou da Europa latina muitas coisas que não são apenas simbólicas de uma época, mas conceituais e determinantes de inúmeros problemas institucionais que temos. Por exemplo, os chamados “recessos” do Judiciário (e do Legislativo também), cujas origens na Europa antiga eram a neve no inverno, que impedia a locomoção das pessoas, e o curto, mas insuportável calor do verão, que inviabilizava o uso das pesadas vestes talares – togas, becas, peruca, etc. Pois não havia ar condicionado.
Nós importamos tudo, menos a peruca – ainda bem. Embora não tenhamos neve e já tenha sido inventado o ar condicionado, infelizmente continuamos fazendo mais ou menos as mesmas coisas nos dias atuais. Muito recesso, que se confunde com férias e muitos feriados, muita beca, muita toga, muito título, muita liturgia e pouca eficiência.
Importa agora desembargar o que importamos. Não há mais razão para um juiz “desembargar” (ou desengavetar) o recurso jurídico da parte – conceito do tempo do Império – e por isso ser chamado desembargador. Muito menos ser chamado de ministro. Deveria seguir sendo chamado juiz, como é de fato. E isto é relevante, pois superior deve ser a instância, a Corte.
Temos assistido na televisão, ao vivo, como funciona o Poder Judiciário naquilo que é o suprassumo de todas as suas instâncias – o Supremo Tribunal Federal. Mais do que isto, o STF pressupõe ser o suprassumo do alto saber jurídico nacional e das ilibadas reputações pessoais na sociedade. Assistimos ao seu ápice histórico contemporâneo quando, depois de sete anos, julgou agora o maior caso de corrupção que se tem notícia, com direito a repercussão no mundo inteiro.
Por isso mesmo foi possível à população perceber a melhor performance que este nosso Poder (fundamental para as democracias) conseguiu alcançar. E esta é a pior parte, agora abordada.
Neste julgamento também foi possível à população perceber que por trás daquele idioma prolixo e da corporação conflagrada há mais coisas além da bipolaridade sobre temas tão simples. A divisão ao meio de nossa alta Corte quanto a embargos infringentes e formação de quadrilha não evidenciou apenas uma certa coincidência entre a origem das nomeações dos ministros e a tendência dos respectivos votos; nem apenas alguma eventual ideologia; tampouco pequenas pusilanimidades ou grandes compreensões técnicas. Conseguimos todos perceber também, e para o efeito desta abordagem, sobretudo, a obsolescência do sistema de gestão das sessões de julgamento e das decisões que de lá se consegue obter.
Assembleísmo e liturgia, celebração de egos e de vaidades intelectuais e soberbas fidelidades são eventualmente as evidências mais eloquentes do descompasso entre o andar do Estado brasileiro e o andar da sociedade. O andar do Estado é ainda mais ultrapassado do que os próprios embargos infringentes em seu supremo grau de jurisdição, o STF. A horrível “empolação” destas insinuações feitas aqui, certamente renderia as mesmas críticas feitas pelo atual presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, ao debate dos infringentes; é clara sua insatisfação com os sotaques de discursos insípidos quando se trata de falar em Justiça e não enrolar; por isso seu visível incômodo com o andar da própria carruagem que dirige.
A gestão das sessões, ou melhor, a impossibilidade da gestão efetiva das sessões, de sua racionalização, otimização, modernização, como queiram, contribui imensamente para os absurdos estatísticos que colocam o Poder Judiciário brasileiro entre os piores do mundo.
Não há respeito aos protocolos, mas sobram cultos às personalidades. Isto é melhor compreendido quando vemos desembargadores ou ministros conversando alto na cerimônia em que um padre celebra um casamento.
Tome-se aqueles votos do mensalão como exemplo. Quantas horas de discursos destes onze ministros foram gastas para justificar os votos e condenar ou absolver o réu José Dirceu, por exemplo – talvez o mais complexo caso e importante réu. Sem mencionar nesta conta os tempos do procurador-geral da República e dos diversos advogados que se pronunciaram.
Objetivamente, estas centenas de horas transmitidas ao vivo na televisão, mantendo a (teórica) atenção dos onze juízes do STF e suas equipes nos gabinetes, revelaram mais do que as obviedades dos fatos do processo. Revelaram que a obsolescência da gestão das sessões e das decisões que se tomam nelas é a explicação de grande parte do caos estatístico do Poder Judiciário brasileiro, que se repete em todos os demais tribunais do país. Nada que o Conselho Nacional de Justiça não esteja constatando, dentre tantas outras distorções e problemas institucionais – faça-se Justiça a ele.
Nem se diga sobre os momentos anteriores e posteriores ao julgamento, sobre a burocracia processual ou regimental cuja gestão também não tem melhor sorte. São questões de fundo processual que também determinam a justiça tardia. Mas o ponto, aqui, diz com a gestão de sessões e produção de decisões.
Nossos sistemas são frouxos e frequentemente mimetizam certos ranços caudilhistas, certo culto à personalidade. Tomando um exemplo real do Senado Federal, ao vivo: seu presidente dispara a campainha que comunica ao orador, o senador que discursa pelo tempo regimental, que tal tempo acabou; mas avisa ao microfone, que lhe concederá mais cinco minutos para finalizar. O orador diz que precisará um pouco mais, e o presidente diz que sim, que este é seu modo de proceder sempre, dando sempre aos oradores tantos cinco minutos a mais quantos necessitem. Agradecido pela generosidade do presidente, o orador segue contando sobre como foi a festa de São João em um município de seu Estado. Nada importa neste momento. Não importa o Regimento Interno, a pauta mais importante, a fila de oradores, os interesses diversos, inclusive o interesse nacional ou a irrelevância do discurso proferido. Importa que o presidente da casa manda.
Guardadas as proporções e os temas, não é muito diferente do que ocorre nas sessões de julgamento nos tribunais. Um pedido de vista frequentemente é menos técnico do que generoso, digamos.
Entendem-se tais atitudes, este jeitão que certo ex-presidente da República intitularia de “caipira”, quando se leva em conta, em países como o Brasil, a importância de sua longa história de isolamento. A começar pela língua. Falamos o português, um idioma muito pouco conhecido no mundo, e somos cercados por países que falam espanhol, que não entendemos – nem eles a nós. Fisicamente estamos ilhados, talvez mais gravemente do que Cuba: à frente o oceano Atlântico e aos fundos a Amazônia, a maior selva do mundo. Uma enorme cordilheira ainda nos impede o acesso ao Oceano Pacífico. Tudo é longe, tudo é caro – ao contrário de Cuba.
Sempre que aqui chegava uma ideia, já havia ela morrido na origem. Quando Getúlio simpatizou com Hitler, a Alemanha começava a perder a guerra. Quando o socialismo começou a dar errado no mundo, chegou finalmente ao Brasil. Quando fizemos uma Constituição baseada nos modelos europeus de bem estar social, os estados europeus começaram a ruir. E assim nasceram e cresceram os nossos sistemas, inclusive o Judiciário.
Ainda que a tecnologia e o CNJ possam estar contribuindo para mexer nos queijos mofados desta velha máquina, é preciso compreender que o Judiciário precisa se determinar a ser mais “justo” também do ponto de vista da estratégia de Estado. A justiça tardia é injustiça em si própria, sim, mas antes disso é estupidez estratégica (institucional, se quiser) de um país com as dimensões do Brasil.
É preciso modernizar a gestão das sessões de julgamento, dos processos de decisão. É preciso estimular a arbitragem privada. É preciso que o Poder Judiciário brasileiro facilite a vida desta parte da sociedade que se chama “mercado”, a cada dia mais dinâmico e universal. É preciso que a população e o mercado tenham certeza de que o Judiciário é a base fundamental da questão humana primordial – a Justiça. Do mesmo modo o sistema legislativo, a produção de leis no Brasil é uma questão grave a ser abordada com urgência. Aliás, uma assembleia constituinte no Brasil, depois de tantas mudanças no mundo desde 1988, seria muito mais pertinente neste momento do que no tempo do Dr. Ulisses.
A não ser que queiramos seguir isolados, é preciso perceber que os divisores antigos entre povos e nações, tais como o idioma, a fronteira física e as distâncias entre países, estão desvanecendo a cada dia – enquanto se alteram os conceitos de tempo e espaço. Já nasceu a sociedade universal, e o pensamento volta à origem primitiva do homem – a sociedade aberta e global, com suas vantagens e seus perigos. Entendendo esta realidade, o Judiciário brasileiro precisa se preparar para o ambiente novo, em que prevalecem a estratégia de Estado, a lei e os negócios.
Não é possível termos esperança, sermos eventualmente vistos como emergentes, Brics, etc., se o Judiciário não se vê como órgão vital de um Estado brasileiro moderno, para dar segurança jurídica a todos, inclusive aos que aqui quiserem aportar.
Um Poder Judiciário moderno, ágil e justo é a maior garantia para que possa o Brasil exercer com autoridade a primogenitura dos países da América Latina.
meu amigo quem vai se sacrificar pelo Brasil? voce acha mesmo que estes poderosos juizes vao querer abrir mao de seu cargo e prestigio pelo bem maior do país e da nacao???????????? jamais que eles vao querer perder essa boquinha!!!!!!!