O buraco fiscal cresceu muito de 2011 a 2014 à medida que resolvemos esconder os problemas com pedaladas, contabilidade criativa e seguidos programas de refinanciamento de dívidas, além de termos empregado o curioso mecanismo de adiantamento de dividendos de empresas estatais.
Imaginaria que a melhor estratégia para qualquer governo enfrentar nossos desequilíbrios fiscais seria expô-los, com franqueza e transparência, e, em função da liderança que o presidente tem, propor saídas e criar consensos junto à sociedade e à classe política para encaminhá-los (os desequilíbrios).
Isso ocorreria, no entanto, caso o grupo político à frente do Executivo nacional pensasse que há restrições reais na economia –e, portanto, a política econômica não pode violar fundamentos econômicos. O fato vale mais do que a versão, pois a ela se impõe.
No entanto, parece que fazer política tendo como hipótese que tudo que interessa é a versão, e não, os fatos, é consistente com um grupo político que crê não existir restrições econômicas nem fundamentos econômicos de fato. Ou seja, não há fato econômico.
Dois documentos recentemente divulgados sugerem que os economistas e intelectuais petistas consideram que o fato econômico se encerra na economia política.
[su_quote]Parece que fazer política tendo como hipótese que tudo que interessa é a versão, e não, os fatos, é consistente com um grupo político que crê não existir restrições econômicas nem fundamentos econômicos de fato[/su_quote]
A fundação Perseu Abramo apresentou o estudo “Por um Brasil justo e democrático” e André Singer publicou na revista “Novos Estudos”, do Cebrap, o texto “Cutucando onças com varas curtas”.
A narrativa desses textos pressupõe que qualquer alocação econômica é possível se houver economia política que a suporte. Se a inflação aumenta, é porque os empresários conseguem se impor sobre o resto da sociedade, não por que há excesso de demanda sobre a oferta.
Se o crescimento é pouco, é porque os empresários fazem greve de investimento. Não porque, em função de fatores fundamentais (baixa qualidade educacional, baixa taxa de poupança, complexidade tributária e institucional em geral, excesso de litigiosidade, intervencionismo desastrado no âmbito da nova matriz econômica, etc), o crescimento da produtividade é baixo e cadente.
Se os juros são elevados é porque uma conspiração dos rentistas com a diretoria do BC os mantêm assim, e não porque a taxa de poupança brasileira é baixa. Se há uma crise gravíssima, como a atual, ela é profecia autorrealizável produzida pela imprensa e pelos colunistas liberais, que alimentam o terrorismo de mercado. Eu sou um dos culpados!
Tudo é possível se houver a correta correlação de forças. Evidentemente, essa narrativa não consegue explicar a queda do muro de Berlim, a baixa produtividade de Cuba nem o desastre venezuelano. Mas esses fatos parecem detalhe para os que a defendem.
Se o grupo político e seus intelectuais acreditam efetivamente que, com a correta correlação de forças, tudo é possível, entende-se por que acreditam que, por um lado, a versão é mais importante do que os fatos e, por outro, faz sentido empregar artifícios para maquiar as contas fiscais.
A versão é mais importante simplesmente porque não há fato. Tudo resume-se à correlação de forças. Maquiar as contas públicas pode ser um instrumento de tencionar o sistema em direção a um modelo de crescimento menos excludente. Não tenho a menor ideia de como isso é possível, mas parece ser essa a leitura.
Lamentavelmente os fatos se impõem. Quem perde são sempre os pobres.
Fonte: Folha de S. Paulo, 4/10/2015
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