Digamos, provisoriamente, que o ministro Dias Toffoli tem razão quando decreta: “Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim.”
Mas quem decide onde está a verdade? E como?
O pessoal do site “O Antagonista” e da revista “Crusoé” encontrou em processo da Lava-Jato uma menção direta a Dias Toffoli. Trata-se de um esclarecimento de Marcelo Odebrecht a respeito de um e-mail que enviara aos então executivos da empreiteira, Adriano Maia e Irineu Meireles, em 13 de julho de 2007, perguntando: “afinal, vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?”
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Procuradores levantaram as questões corretas: primeira, quem é “amigo do amigo do meu pai”? E, segunda: fecharam o quê?
Jornalistas fariam as mesmas perguntas. E a resposta saiu fácil.
O pai de Marcelo é Emílio, amigo de Lula desde muito antes daquele e-mail. E o amigo de Lula, referido, era Dias Toffoli, então no cargo de ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, governo Lula.
E estavam fechando o quê? Marcelo disse apenas que o e-mail se referia a tratativas em torno da construção de hidrelétricas no Rio Madeira. E que não se lembrava de como haviam se desenvolvido.
Os jornalistas da “Crusoé”, antes de publicar a matéria, perguntaram a Dias Toffoli de que se tratava. Este se recusou a responder, tendo explicado depois: “me manifestar sobre uma inverdade? É tudo inverdade”.
“Tudo” aí quer dizer o quê? Que não tinha e-mail nenhum? Que ele, Toffoli, nunca tratou nada com representantes da Odebrecht?
Sim, foi isso que decidiram Toffoli e o ministro Alexandre de Moraes — “tudo mentira”, tudo “fake news”— quando censuraram e tiraram do ar o site e a revista.
Pouco depois, descobriram que havia ali alguns fatos corretamente apurados. Havia o e-mail de Marcelo Odebrecht e também o posterior esclarecimento, peças que estavam regularmente inseridas no devido processo legal.
Fatos. Diante disso, a censura foi levantada e Toffoli mudou o discurso: disse que não se lembrava da conversa com os executivos da Odebrecht, mas deixou um cantinho aberto. Observou que, na sua função, recebia e conversava com todos que o procuravam.
Mas Toffoli e Moraes mantiveram o inquérito, agora com aquela justificativa de que um órgão de imprensa não pode chamar alguém de criminoso quando esse alguém não é.
Mas é preciso um processo legal para determinar quais são os fatos. E dava para apurar: era só chamar para depor Marcelo Odebrecht, seu pai e os executivos citados, todos delatores. Depois, era também o caso de examinar documentos e licitações para verificar como andaram as tais tratativas em torno das hidrelétricas. E finalmente, chamar também Toffoli — por que não? Inclusive para ele dizer que não se lembrava de nada. Ou ministro do Supremo nunca pode ser chamado para depor?
Tem mais. Ninguém havia chamado ninguém de criminoso e participante de um esquema. A reportagem de “Crusoé” citava o e-mail e o esclarecimento de Marcelo Odebrecht.
Dirão: mas sugeria algo assim.
E aqui temos que dar razão a Toffoli. De fato, muita gente achou que ali havia alguma coisa.
E vamos falar francamente. Toffoli participou em cargo importante de um governo que articulou e comandou uma vasta corrupção.
Ninguém estava dizendo que ele se aproveitou de tal posição para obter vantagens pessoais. Sequer se disse que ele sabia de algo.
Apenas que ele estava lá.
Mas a fúria com que reagiu, e equivocadamente, só fez piorar o ambiente para ele e para a Suprema Corte.
E sabem qual a origem desse desastre? É não compreender o que é liberdade de imprensa.
Eis o ponto: a lei e as instituições têm que garantir que a imprensa seja livre. Ponto final. Simples assim.
Se alguém se sente ofendido com o que considera uma inverdade publicada, que entre com processo contra o veículo e o jornalista.
Há tribunais competentes para decidir isso. Mas só depois de investigação, inquérito (pelo Ministério Público), acusação e defesa.
E por falar nisso, a revista até poderia ir ao Judiciário para reclamar que Toffoli a acusou de dizer “inverdades” que eram “verdades”.
Voltaremos ao assunto.
Fonte: “O Globo”, 25/04/2019