O jornal “O Globo” publicou editorial sobre a impunidade no país, revelada no estudo do Conselho Nacional do Ministério Público que mostrou que mais de 60 mil inquéritos (abertos em 2007) , incluindo homicídios, ainda estão sem solução.
Leia o editorial na íntegra:
O Estado está deixando passar atentados contra si mesmo, contra as instituições ou contra o cidadão. Generosa parceira de autores de crimes de toda natureza, a impunidade corrói um sistema legal que, por distintas razões, não cumpre integralmente sua função de preservar a sociedade de afrontas políticas, administrativas e policiais.
Uma boa pista para desvendar por que as indicadores de violência são persistentemente altos no país está no estudo que o Conselho Nacional do Ministério Público acaba de tornar conhecido, com o número de inquéritos policiais não concluídos sobre homicídios.
O levantamento impressiona: as polícias civis acumulam pelo menos 60 mil inquéritos abertos até dezembro de 2007 e até agora inconclusos. Não são investigações sobre crimes de pouca monta, mas casos de as que sassinatos, a mais grave infração de que trata o Código Penal. Como a inquirição é um procedimento de princípio para o esclarecimento de todo e qualquer caso de homicídio, os autores não foram devidamente identificados e, em consequência disso, permanecem impunes.
Leve-se em conta, ainda, que o retrato da impunidade pode estar inacabado, porque seis estados e o Distrito Federal não repassaram informações para a pesquisa do Conselho. E, mesmo entre as unidades da federação que contribuíram com o levantamento, algumas encaminharam apenas dados parciais. Se a isso se juntar o fato de que o estudo não computou inquéritos sobre tráfico de drogas e outros crimes igualmente graves, é de se imaginar o tamanho do problema.
É direta a relação entre inimputabilidade de fato e violência, o mais trágico e amedrontador produto da insegurança pública. Inquéritos que não levam a nada, quase sempre estancados ainda na fase inicial, são um estímulo ao crime — tendo papel lamentável, aqui, o corporativismo e a corrupção que, dentro dos órgãos policiais, ajudam a acobertar criminosos.
A peça que o Conselho do Ministério Público pôs sobre a mesa soma-se a outras para compor o quebra-cabeça que projeta a quase falência da rede de segurança pública em grande parte do país. Além dos homicídios sem solução, moldam o quadro da deterioração uma polícia as que prende pouco e uma Justiça que nem sempre dá curso ao trabalho das delegacias, seja pela morosidade ou por inapetência processual.
Por fim, o retoque de uma imagem ruinosa que a sociedade tem de suas instituições coercitivas é dado pela vergonhosa situação do sistema penitenciário nacional, corroído pela superlotação das celas, pela renúncia, na prática, à sua função correcional e por uma política de total desrespeito aos mais elementares direitos humanos.
O levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público é um dos ângulos pelos quais se deve investigar as causas da violência e estabelecer caminhos para enfrentá- la. Trata-se de equação que exige respostas urgentes, seja pelo direito à segurança pública que a Constituição assegura aos cidadãos, seja pelo trágico luto das famílias que dela são vítimas.
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