Samuel Pessôa, meu amigo e colega colunista, foi mais rápido do que eu e comentou com precisão a entrevista de Leda Paulani, ex-secretária de Planejamento de São Paulo, ao “Valor Econômico”, em particular seu pasmo diante das diferenças entre o Brasil e o Japão.
Mas o material é vasto, e mesmo o Samuel não esgotou o fértil veio da entrevista, interessante porque reveladora das teses do “pensamento econômico” de esquerda no país.
[su_quote]O “pensamento” de esquerda está totalmente imunizado contra a realidade[/su_quote]
A começar porque insiste no lenga-lenga que atribui a piora de desempenho do Brasil entre 2011 e 2014 à desaceleração internacional.
Como já mencionei aqui, porém, o crescimento global médio nesses anos foi de 3,6% anuais, segundo o FMI, um pouco acima dos 3,5% ao ano observados nos quatro anos anteriores; já o crescimento brasileiro caiu de 4,5% ao ano para 2,1% anuais no mesmo período (graças à revisão da metodologia do PIB, sem o que a média atingiria 1,6% ao ano).
Sim, preços de commodities caíram, particularmente em 2014, mas permaneceram bem acima daqueles registrados, por exemplo, no primeiro governo Lula, de modo que não se apresentam como bons candidatos para explicar a deterioração de performance de 2010 para cá. Pelo contrário, esse fenômeno, como notado pelo Samuel, tem raízes domésticas, em larga medida provocadas pela alteração de política econômica.
O desconhecimento dos dados não para por aí. O que Paulani chama de “investir um pouco (sic) em gastos públicos, mas menos do que deveria”, equivale a 2,7% do PIB a mais de despesa primária federal, aumento de R$ 207 bilhões a preços de hoje, a maior expansão fiscal registrada desde que esses números começaram a ser compilados.
Apesar disso, Paulani atribui o problema ao aumento do gasto com juros, embora este se limite a R$ 66 bilhões, lembrando que boa parte disso reflete o subsídio ao BNDES, assim como as perdas associadas à desastrada intervenção do BC no mercado de câmbio (R$ 17,3 bilhões apenas em 2014).
Já inflação, superior a 6% ao ano no período, apesar do controle dos preços, não merece mais que breve citação, sugerindo que resulta dos altos e baixos (volatilidade) da taxa de câmbio, a ser tratada com controles de capitais.
Aliás, a proposta de Paulani para a política econômica é “controle de fluxo de capitais, redução de taxa de juros” e “manter a taxa de câmbio num nível elevado”, ao que se somaria, pelas declarações anteriores, um aumento adicional do gasto público, já que este cresceu “menos do que deveria”.
Aí me pergunto em que universo Paulani viveu nos últimos quatro anos. O que ela chama de “aporte totalmente diferente” nada mais é do que a exata repetição da política econômica em vigor no primeiro governo Dilma, devidamente apelidada de “nova matriz macroeconômica”.
Houve controles de capitais, o BC interveio ativamente no mercado de câmbio, a taxa de juros foi reduzida agressivamente e o governo gastou como nunca. Os resultados estão aí, na forma de crescimento medíocre, dívida crescente, inflação elevada e desequilíbrios severos nas contas externas. O “pensamento” de esquerda está totalmente imunizado contra a realidade.
Fonte: Folha de S.Paulo, 29/04/2015
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