A política para o mercado de vinhos no Brasil é emblemática. Especificamente, a exigência do selo fiscal ilustra bem porque as políticas para o setor, para a indústria nacional e para o segmento financeiro, mesmo que aplicadas com sucesso, estão fadadas a ter um desempenho pífio e obrigam o país a ter um crescimento aquém de seu potencial.
A medida comentada foi adotada para melhorar a competitividade dos vinhos brasileiros, que estão sendo “expulsos” das cartas de restaurantes e das gôndolas de supermercados pelos estrangeiros. Exigindo-se o selo fiscal, beneficia-se os nacionais em razão do custo adicional dos importadores de abrir e fechar caixas para colar as etiquetas, pagar despachantes, preencher as guias, registrar-se como importadores e repassar ao consumidor parte do ônus e a necessidade de retirar o emblema de todas as garrafas.
Apesar da boa intenção em favorecer os vinicultores locais, a norma mais atrapalha do que ajuda. Enquanto o Brasil desperdiça recursos na cadeia produtiva do selo em fiscais, contadores, advogados e despachantes, outros países investem suas energias em melhorar sua produtividade, pesquisar mercados, novas variedades de uva e métodos de cultivo e de comercialização. Com isso, em pouco tempo, a vantagem competitiva dada aos vinhos daqui é superada e novas medidas, como aumento de alíquotas, são necessárias.
Num mundo que se globaliza cada vez mais, a economia do neomercantilismo está destinada ao fracasso. Em vez de preocupar-se com a “expulsão” pelos estrangeiros, o objetivo deveria ser a “invasão” dos vinhos brasileiros a restaurantes e supermercados em outros países. O Brasil tem terra, clima, gente, garra e capacidade empreendedora para atacar, mas prefere cavar trincheiras e esconder seu potencial nelas.
A indústria de transformação é outro exemplo. Na última década, cresceu a metade da taxa do que o resto da economia nacional. Perdeu mercados no exterior, e, o que é pior, para estrangeiros aqui dentro. Para reverter esse quadro, o governo anunciou medidas que permitem paralelos com o selo do vinho. Melhorarão a rentabilidade da indústria por um tempo com benefícios fiscais, créditos do BNDES, controle de importações e medidas de “defesa” comercial. A ausência dos temas reformar, desburocratizar e “avançar” sobre outros mercados chama a atenção; entretanto a falta de um encaminhamento viável para o câmbio e crédito preocupam.
A estrutura dos mercados de divisas no Brasil faz com que a especulação domine a produção. O mercado de derivativos requintado e globalizado impõe sua estrutura de preços ao mercado spot anacrônico. É a repetição da estratégia de trincheiras protestando contra a “guerra cambial”, acumulando reservas e subindo o IOF; dessa forma só se conseguem alívios temporários. É a mesma lógica do selo fiscal sendo aplicada, permanecem as distorções na formação da taxa de câmbio.
No crédito, o Brasil tem o segundo pior custo de financiamentos do mundo com os agravantes de que as estatísticas de margens (spreads) não incluem o cartão, as estimativas são feitas usando saldos em vez de novas concessões, há uma instabilidade de taxas e limites que aumenta a inadimplência e os prazos são curtos, agravando a volatilidade. Um despautério, mas insiste-se em soluções que já não deram certo e não darão agora.
A mais recorrente é criticar os bancos, a concentração e seus lucros, algo que dá manchetes, mas não resolve o problema. Outra solução é o anúncio dos bancos públicos baixando o custo do crédito e afirmando que sua concorrência derrubará as margens de crédito. Dá espaço em jornais, mas é mais do mesmo, já foi tentado antes e fracassou. Basta analisar o balanço dessas instituições para avaliar que a capacidade de redução que têm é limitada. Fica a lembrança do Banco Popular do Brasil e o registro de que insistir em estratégias equivocadas só posterga uma solução definitiva.
Medidas para diminuir a cunha bancária afetando a tributação, o compulsório, custos de observância e redução de riscos fazem parte do conjunto de soluções e quando e se ocorrerem, observar-se-á alguma melhoria, mas pequena. É necessário mais para que o país tenha um sistema financeiro eficiente e propulsor do crescimento. Lembrando que outros países conseguem bancos rentáveis e margens expressivamente menores, prova que o Brasil pode. O que fazer?
O mais urgente é começar a focar mais no crescimento da próxima década do que apenas no de 2012. Falta uma política para a indústria, acompanhada de reformas que melhorem sua competitividade e contribuam para sua inserção nas cadeias produtivas globais. O vinho é um exemplo de um setor que pode competir no mundo inteiro, com apoio do governo, conseguirá mais rápido.
É necessário que o mercado de câmbio produtivo, spot, tenha pelo menos a mesma sofisticação que o especulativo. Para que isso aconteça falta um projeto que inclua entre outras medidas a eliminação de regulamentos obsoletos, a livre conversibilidade do real, ações para sua internacionalização e sua inclusão no CLS e contas em moeda estrangeira.
A agenda do crédito é extensa, e inclui alterações nas regras de indexação e tributação, em critérios de precificação estáveis, nas informações ao tomador, no papel do Banco Central, na estrutura prudencial, no relacionamento entre clientes e bancos, na transparência, no cadastro positivo iterativo, em bancarização ativa, em prazos de validade de limites, na criação de um órgão de proteção ao consumidor financeiro e na eliminação das distorções.
As condições estão presentes. Os pontos fracos na economia brasileira, a dinâmica fiscal inconsequente e a solvência externa precária, estão superados, são condições necessárias para crescer, falta apenas a mudança na política econômica para fazer acontecer. Saúde Brasil!
Fonte: Valor Econômico, 30/04/2012
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