Os cidadãos baianos ficaram literalmente indefesos, à mercê de bandidos com e sem farda. A situação não poderia ter sido mais dramática, com a insegurança se alastrando para todo o estado. Os relatos e imagens são impactantes, com as pessoas totalmente desprotegidas, vivendo alguns situações descritas como de terror, quando do saqueio de casas, por exemplo.
Se uma família tem a sua casa saqueada, o que pode ela fazer? Telefonar para a polícia em greve? Deve, na falta de opção, simplesmente se submeter aos invasores, ficando submetida às piores arbitrariedades? Pode ela se defender? Na rua, os relatos são tenebrosos, com mendigos assassinados, ônibus invadidos por supostos policiais armados, sendo essa suspeita levantada pelo próprio governador. Quando os responsáveis pela segurança pública assumem atitudes de vândalos, observa-se um esfacelamento do próprio Estado.
Uma das funções, senão a principal, do Estado consiste em assegurar a integridade física, do corpo, dos seus cidadãos. Se cidadãos pagam impostos, é para que essa atividade básica seja assegurada. Se as pessoas vivem aterrorizadas em casa, têm medo de sair às ruas, evitam qualquer tipo de exposição pública, é porque a defesa da vida desaparece do horizonte, sendo substituída pelo medo da morte violenta.
O medo da morte violenta, no dizer de Hobbes, é a condição básica para que os indivíduos deixem o que denomina de “estado de natureza”, cuja central é a insegurança total, onde nem a vida é mais garantida.
Ora, a situação da Bahia, com potencial de expansão para todo o país, é o que se poderia chamar de uma volta ao “estado de natureza”, jogando os cidadãos à defesa de si mesmos.
O Estado, em situação normal, asseguraria, embora precariamente no Brasil, a segurança dos cidadãos. Em contexto de motim e greve, os cidadãos são abruptamente remetidos à defesa de suas próprias vidas e às dos seus, assim como dos seus próprios bens. Se o Estado cumprisse com suas funções, tal autodefesa não seria necessária.
Ora, a situação torna-se, então, propriamente esdrúxula. A autodefesa implica que as pessoas tenham os meios de assegurá-la. E meios significam armas de autodefesa. Imaginem uma casa sendo assaltada, saqueada, não tendo os cidadãos a quem recorrer.
O telefone da Polícia Militar é inútil.
A submissão daí derivada, a de cidadãos indefesos, é a de abolição da liberdade de escolha. Não há aqui escolha possível. O cidadão se torna servo.
Os últimos anos foram caracterizados por campanhas intensas de desarmamento, como se os cidadãos de bem fossem os responsáveis pela criminalidade.
Evidentemente, os criminosos não foram “desarmados”, como a situação da Bahia mostra com particular ênfase. Os homicídios, nos dias de greve, ou melhor, de motim, chegaram a 135.
Os cidadãos foram tornados indefesos pelo próprio Estado, que se mostra incapaz de assegurar a conservação da vida, bem primeiro e maior de todas as pessoas. O desarmamento, no caso, expõe toda a insegurança produzida pelo próprio Estado.
As pessoas são simplesmente fragilizadas, devendo conviver com o medo da morte violenta.
Acrescente-se a isso que os encarregados da segurança pública, os policiais militares, passaram, alguns, a agirem como se fossem bandidos, portando armas que afrontam o próprio estado de direito. Policiais grevistas armados, desafiando a lei e a autoridade, são a própria negação do Estado. Para além de o atual ordenamento constitucional proibir a greve de policiais, o fato de desrespeitarem a lei brandindo armas leva esse desrespeito a um grau máximo de criminalidade.
Isto caracteriza propriamente dito um motim. Uma medida elementar residiria em que esses policiais deixassem suas armas na instituição, a Polícia Militar, à qual pertencem.
O porte de armas por policiais grevistas é uma afronta, sendo, para os cidadãos, uma fonte suplementar de medo.
Convém aqui distinguir a insubordinação, o uso da violência, de uma reivindicação legítima de policiais militares por melhores salários. Não é, de fato, concebível que policiais, cuja função deveria consistir em assegurar a vida e os bens dos cidadãos, o cumprimento da ordem pública, sejam, por sua vez, obrigados a viver em condições de vida que se caracterizam pela insegurança dos seus. Não pode um policial militar ser obrigado a conviver com marginais os quais deve combater.
O descaso do Poder Público por eles é o resultado do descaso desse mesmo Poder para com os cidadãos.
É como se a segurança e a vida não fossem prioritárias. A situação se torna ainda mais gritante quando o cidadão percebe a corrupção generalizada e o desvio de recursos públicos como práticas absurdamente “normais”.
Normal seria a segurança física, e não a sua ausência.
No meio desse “estado de natureza”, dessa insegurança e medo generalizados, com cidadãos acossados, uma notícia da Polícia Civil da própria Bahia, anterior à “greve”, pode abrir caminho para que um controle efetivo de armas possa ser instalado no país, possibilitando, assim, que soluções técnicas tomem o lugar de declarações ideológicas. Trata-se da compra, por essa instituição, de pistolas com um chip identificador, contendo informações como a numeração de armas.
Pode-se, desta maneira, controlar o uso que está sendo dado a essas armas, assim como se torna possível seguir os seus deslocamentos.
Imaginem se os policiais militares da Bahia portassem pistolas com chip identificador. Seria possível determinar imediatamente onde essas armas se encontram e, mesmo, quem é o seu portador. No caso da suspeita de que policiais militares teriam parado um ônibus, obrigando os seus passageiros a descerem, contribuindo, assim, para o caos urbano, os seus autores poderiam ser imediatamente identificados. Eis uma oportunidade de o país ser dotado de um GPS das armas, com a sua fiscalização correspondente.
Fonte: O Globo, 13/02/2012
Nem toda bahia está sem segurança. O governador do PT está muito bem escoltado e sua família protegida por seguranças pagos pelo estado.