Por enquanto, os indignados bradam representar “demandas intuitivas de 99% do povo”. São os ativistas do movimento Ocupem Wall Street, nos EUA. Com os famosos de sempre discursando e escrevendo.
Quando editados os textos dos famosos, surge versão contemporânea dos Protocolos dos Sábios de Sião, o infame e apócrifo livreto que um intelectual brasileiro traduziu e assinou. Agora, os maiores vilões do mundo são os banqueiros, que deveriam estar trancafiados num campo de concentração. Na época da tradução, década de 1930, os banqueiros estavam em segundo lugar.
A novidade é a participação de conhecidos professores. Como Lawrence Lessig e Elizabeth Warren (Direito em Harvard) e o Nobel economista Joseph Stigler. Fazem carreiras na questão da regulamentação do sistema financeiro.
Lessig, Warren e Stigler, além de denunciarem a intenção gananciosa e corruptora dos banqueiros, são trabalhadores acadêmicos. Warren afirma que, se o governo pode retirar o risco de uma torradeira com regulamentação, pode fazer o mesmo com um contrato financeiro. Acha mérito pessoal irrelevante face à gigantesca alavancagem dada pelo governo com educação, saúde e infraestrutura. Lessig ignora a captura dos reguladores como fonte de corrupção. E Stigler acusa os banqueiros de alocar capital de maneira perversa e criar riscos.
É um axioma que o futuro é incerto, e isto é um problema. O sistema financeiro não existe para resolver o problema, mas para administrar alguns riscos, incertezas da economia real que possam ser estimadas. Tais riscos são criados pela ação humana e associados aos preços futuros de ficar doente, plantar soja, fabricar bicicletas, comprar uma casa. Os bancos não criam tais riscos e nem conseguem comprar todos os riscos humanos.
Os professores se lixam para o papel do setor público americano; como o FED, por anos bombeando liquidez para enfrentar crises, ofertando taxas de juros minúsculas e soprando valorizações de ativos; como os políticos, forçando o sistema imobiliário a tomar cada vez mais riscos, com incentivos fiscais, compras de contratos podres e garantias explicitas e implícitas aos bancos. Metade dos contratos subprime pertencia a dois bancos públicos. Os professores também ignoram o que já foi pesquisado nas escolas de finanças e sendo usado pelo sistema financeiro. O assunto é obsessão. Ninguém quer jamais reviver o último quadrimestre de 2008.
Existem regulamentações bemvindas. Uma classe delas é as que aumentam as informações para todos. Outra é a proteção dos pequenos investidores. Terceira classe, mais complexa, é aquela que restringe a alavancagem de pessoas, empresas, bancos e governos. Mas os governos são esquizofrênicos: incentivam a alavancagem das pessoas enquanto limitam a dos bancos. E quebram sempre suas próprias regras de endividamento.
Estes professores são a fina flor dos autointitulados progressistas, esta tribo viciada em governo que está completando cem anos. Vivem num paradoxo, pois acreditam poder solucionar o problema da incerteza, mas para tanto o futuro precisaria ser igual ao passado. Não confiam mais no estadoempresário e nunca confiaram no lado trabalhador e consumidor do povo, estes 99% julgados inconscientes e indefesos em face às corporações.
Sobra a regulação para colocar as coisas em ordem. E, como os progressistas julgam-se conscientes da realidade e vanguarda iluminada, entendem que devem eles construir a sociedade regulada que, gerenciada por burocratas, produzirá o bem comum. Estes iluminados jamais permitirão que o mérito e responsabilidade prevaleçam, que a área de soberania das pessoas cresça, pois destruiria a concepção deles de mundo.
Fonte: O Globo, 21/10/2011
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