Uma das principais garantias da independência dos juízes no Brasil é dada pela Constituição federal, que assegura a sua vitaliciedade e a liberdade para aplicarem as leis. Em muitos casos, porém, essa liberdade vai longe demais por estar protegida pela vitaliciedade.
É isso o que está ocorrendo na Justiça do Trabalho, em que vários juízes têm decidido ignorar as regras legais para a correção dos débitos trabalhistas e aplicar um indexador arbitrário para atualizar os valores das sentenças que são recorridas a instâncias superiores.
Vários são os casos, até agora, em que os juízes decidiram corrigir os valores daqueles débitos aplicando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), acrescido de 1% de juros ao mês ou 12% de juros anuais. Essa decisão afronta o estabelecido na Lei n.º 13.467/2017 (reforma trabalhista), que fixa o critério da correção com base na Taxa Referencial (TR), acrescida de 1% de juros ao mês ou 12% ao ano. Segundo estes juízes, no entanto, o IPCA-E refletiria melhor a inflação do período – mais do que a Taxa Referencial.
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Assim, os magistrados mencionados decidiram sobre assunto estranho ao seu ofício. Sim, porque a fixação de critérios de correção monetária é de alçada do Poder Legislativo, e não do Poder Judiciário. Nos artigos 21 (inciso VII) e 22 (inciso VI), a Constituição federal estabelece que a competência para emitir moeda e legislar sobre o sistema monetário é exclusiva da União. É inadmissível, portanto, que representantes do Poder Judiciário venham a substituir um índice por outro com base em decisões que não lhes competem.
E, quanto ao argumento de que os juízes desfrutam de independência funcional, ele tem seus limites estabelecidos pela Carta Magna. Os magistrados não podem ignorar a vontade e a decisão dos legisladores. Os que assim procedem promovem atos de indisciplina judiciária.
Essa indisciplina judiciária trabalhista está custando caro para as empresas e, em seguida, para os empregados. Sim, porque, grosso modo, a correção dos débitos do jeito que os juízes fazem gera valores que são o dobro do estabelecido na referida lei. Isso compromete as finanças das empresas reclamadas e complica a vida dos empregados na medida em que o referido aumento inibe os investimentos e a geração de empregos. Portanto, prejudica exatamente as pessoas que os juízes desejam proteger – os trabalhadores e suas famílias.
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Chegamos a uma situação em que passa a ser forçoso perguntar: para que servem, então, as leis? Os juízes podem até pensar que o IPCA-E corrige melhor os estragos da inflação – o que é questionável em vista dos efeitos secundários dessa opção. Ademais, não é isso que está na lei. Se essa prática prevalecer, entraremos numa verdadeira terra de ninguém em matéria de hermenêutica jurídica.
Gerou-se, dessa forma, mais uma grave insegurança jurídica, que pode afetar a própria Justiça do Trabalho. Vejamos: muitos reclamantes, com seus advogados, estarão tentados a prolongar o já demorado curso das ações trabalhistas para receber, mais adiante, um valor mais alto e que, de certa maneira, constitui o melhor investimento do País, porque não há título público ou privado que renda o IPCA-E acrescido de 12% de juros ao ano. Essa distorção agravará o já lento processo de decisão de conflitos pela via judicial.
Em resumo, onde reina a insegurança jurídica, as empresas não investem. Onde não há investimento, não há nem mesmo empresas. E onde não há empresas não há empregos. Este é o preço da indisciplina judiciária da Justiça do Trabalho. A mesma que deseja ardentemente a geração de mais empregos no País.
Fonte: “Estadão”, 11/09/2018