Segundo trabalho de Dani Rodrik (2008) citado na coluna anterior, a desvalorização cambial é essencial para ajudar o desenvolvimento da indústria e, com ela, sustentar taxas mais elevadas de crescimento econômico.
Um texto menos observado no debate nacional sobre o tema, publicado no fascículo de 2007 da mesma revista da Brookings Institution, é o trabalho “Foreign Capital and Economic Growth”, escrito por Eswar Prasad e colaboradores.
Nesse estudo, os autores mostram que há correlação positiva entre elevadas taxas de poupança doméstica e crescimento econômico. Os resultados econométricos sugerem que elevadas taxas de poupança doméstica têm impactos positivos sobre o crescimento que vão além do que seria de esperar pelas altas taxas de investimento.
A forte relação da poupança doméstica com o rápido crescimento econômico tem como uma de suas principais explicações, a meu ver, o fato de que a veloz expansão do PIB depende da adoção de novas tecnologias.
Nos estágios iniciais, é possível queimar muitas etapas absorvendo tecnologias desenvolvidas nas economias líderes. O investimento estrangeiro direto (IED) é um canal importantíssimo de absorção de novas tecnologias. Uma sociedade que poupa muito não precisa de capital. Assim, pode se dar ao luxo de negociar condições muito favoráveis em termos de transferência de tecnologia, como é o caso da China. Países mais esfomeados por capital externo têm menos poder de barganha.
Mas existe também uma correlação expressiva entre elevada poupança doméstica e forte presença da indústria na economia. Nesse caso, julgo que o canal seja o baixo nível de consumo. Níveis reduzidos de consumo (a poupança nada mais é do que o ato de não consumir), em relação à renda nacional, produzem baixa demanda por serviços.
Dado que os serviços são atividades muito intensivas em trabalho, a baixa demanda por serviços equivale à fraca demanda por trabalho. Esta, por sua vez, resulta em salários menores. Os salários são relativamente reduzidos quando expressos em moeda estrangeira, o que é equivalente a câmbio real desvalorizado.
E assim chegamos à indústria. Câmbio real desvalorizado estimula a atividade manufatureira, pois eleva a competitividade internacional da indústria, promovendo as exportações e estimulando a substituição de importações. Adicionalmente, o baixo custo de capital, fruto da elevada poupança doméstica, reduz o custo do investimento industrial. Como a indústria é, em relação aos serviços, intensiva em capital, o barateamento deste último acaba sendo um estímulo adicional à expansão do setor industrial.
Se uma indústria relativamente grande em relação à economia causa ou não maior crescimento, é uma questão em aberto. O que importa, porém, é que a elevada poupança doméstica é a causa primeira e fundamental tanto do veloz crescimento econômico, o que se dá em parte pela absorção de tecnologia estrangeira de ponta, quanto pela alta participação da indústria no PIB.
As economias do Leste Asiático, únicos casos conhecidos do pós-guerra de sociedades que conseguiram atingir níveis elevados de produtividade do trabalho (e, portanto, veloz crescimento econômico) com participações substanciais da indústria no PIB, são justamente as que têm um histórico de altos níveis de poupança doméstica.
No Brasil, as taxas de poupança das famílias, empresas e governo são de, respectivamente, 5%, 15% e -4% do PIB. Para a China, os mesmos números são da ordem de 22,5%, 22,5% e 5% sobre o PIB.
Note-se que as famílias chinesas, que poupam 22,5% do PIB, o que representa 50% de sua renda disponível, são em média mais pobres que as famílias brasileiras.
Exercício que fiz com Silvia Matos e Regis Bonelli sugere que, se a taxa de poupança doméstica do Brasil fosse igual à da China, a participação da indústria seria nove pontos percentuais do PIB mais elevada.
Nossa sociedade, ao escolher um modelo de desenvolvimento que requer carga tributária elevadíssima e seguro social abundante, decidiu que teríamos baixíssimos níveis de poupança. Decidiu, portanto, crescer lentamente e com participação da indústria no PIB menor.
A escolha é legítima. Somente temos que ser responsáveis por todas as suas consequências.
Fonte: Folha de S. Paulo, 30/03/2014
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