A progressiva desindustrialização da economia brasileira resulta de um acúmulo de erros de natureza macroeconômica. O protecionismo do regime militar, no exato momento em que se iniciava uma revolução tecnológica nas áreas de computação, informática e comunicações, foi um desastre histórico. O subsequente mergulho no caos da hiperinflação, aumentando a incerteza e encurtando os horizontes de investimento, aprofundou o fenômeno de nossa desindustrialização. E finalmente o erro clássico de expandir os gastos públicos ao longo de décadas de combate à inflação, administrando-se doses equivocadas de políticas fiscal e monetária, condenou ao declínio uma indústria brasileira já diversificada, mas ainda emergente. O excesso de impostos, os juros estratosféricos e o câmbio sobrevalorizado derrubaram nossa competitividade nos mercados globais.
São bilhões de trabalhadores asiáticos sem encargos sociais e trabalhistas. Os juros estão baixíssimos em todo o mundo, enquanto no Brasil estamos voltando aos dois dígitos. E os impostos excessivos que incidem sobre as empresas reduzem sua lucratividade e a geração de recursos próprios para financiar seus investimentos. Tudo isso retarda dramaticamente o ritmo de acumulação de capital na indústria. O ex-presidente Juscelino Kubitschek tinha como proposta de governo fazer 50 anos em 5. Pois bem, neste ambiente hostil, nossa indústria precisa de 50 anos para financiar o que deveria investir em 5. Enquanto isso, com os juros de volta a 10% ao ano comparados com 0,25% anual nos EUA, rentistas fariam 40 anos em apenas 1, se o governo tivesse sucesso em estabilizar o câmbio com vendas maciças de reservas pelo Banco Central.
Mas há também neste início de século uma nova dimensão que induz à desindustrialização progressiva como fenômeno global. As novas tecnologias não apenas tomaram mais eficientes, mas estão reinventando os processos produtivos. Desde a especificação do produto até sua fabricação com ferramentas digitais de impressão tridimensional e corte a laser, há uma nova revolução tecnológica desindustrializando a economia mundial. O preocupante é que, diferentemente do Brasil, nos países avançados as velhas indústrias passaram de um terço da economia antes de iniciarem seu recuo. Mesmo nos Estados Unidos — onde houve enorme transferência de fábricas em busca dos baixos custos asiáticos, e os empregos nas indústrias de manufatura estão no ponto mais baixo dos últimos 100 anos, tanto em termos absolutos quanto em percentagem da população economicamente ativa —, um quarto da economia ainda consiste em produção industrial.
Se por um lado a reinvenção da indústria com as novas tecnologias digitais nos oferece uma extraordinária oportunidade de renovação por meio de um mergulho digital, por outro lado estamos sob a estranha ameaça de sermos desindustrializados antes mesmo de completarmos nosso processo de industrialização. A formação da classe média ocidental está associada a esse histórico processo de industrialização. A transferência acelerada da população rural para grandes centros urbanos em uma janela comprimida de tempo reedita-se agora na China. O Brasil já é urbano e industrializado. Mas tem ainda uma classe média emergente. Teremos de reformar o macroambiente e reinventar nossa indústria para criar uma dinâmica de crescimento sustentável.
Fonte: O Globo
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