A inflação do Brasil nos últimos meses cresceu de maneira desproporcional. O choque vai além das expectativas projetadas pelo governo e para o mercado no ano de 2021. O indicador tornou-se um vilão desde que ultrapassou a meta neutra, estabelecida no início do ano. A previsão estipulada pelo Banco Central (BC) foi de 3,75%, com um intervalo de 1,5% para cima e para baixo. Ou seja, mesmo que o indício fosse de alta, o limite máximo para fechamento seria de 5,25%. Mais um motivo para ligar o alerta e redobrar a atenção; estamos com 9% de inflação, mal fechamos o ano e estamos quase com o dobro do limite projetado pelo BC.
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A preocupação da população e do mercado é de que maneira responderemos a essas pressões. Atualmente, já somos o terceiro país da América Latina com maior disparidade nos preços, ficando somente atrás da Argentina com 51% e o Haiti em 17,9%, países que também enfrentaram crises econômicas nos últimos anos. De fato, grande parte do mundo também sofre com inflação, mas não o precipício que se tornou o Brasil. No ano passado, mesmo com a pandemia, fechamos em 4,52%. Foi o maior patamar desde 2016, porém era menos confuso que agora. Os preços sobem, o BC acompanha o índice elevando a taxa de juros, e mesmo assim as medidas de contra responsabilidade aos aumentos têm se demonstrado ineficazes.
Para salientar que as coisas realmente perderam a mão, há países emergentes como o nosso em que, mesmo no pico da pandemia e neste ano de 2021, os indicadores de inflação estão controlados e não há uma disparidade tão grande como a nossa comparando 2020 ou 2021. Exemplos: Paraguai 2020 (0,6%), em 2021 (1,2%); Peru 2020 (1,9%), em 2021 (2,7%); Chile em 2020 (3%), em 2021 (4,5%). Sim, o mundo passa por uma turbulência inflacionária, mas não dá para fechar os olhos aos problemas crônicos e estruturais que pioram esse indicador (inflação) no nosso país.
Por que a inflação está tão alta?
Inúmeros fatores explicam a inflação no Brasil. Há um choque de demanda afetando o mundo todo, mas não é o único motivo de os preços terem inflado tão absurdamente em nosso país. Alguns pontos em especial fizeram as coisas saírem do trilho por aqui. Seguem algumas análises abaixo.
Há uma falta coordenada de política fiscal versus política monetária (gastos públicos versus inflação). Por mais que haja expectativas sobre as reformas estruturais no país – reforma da previdência, administrativa, tributária, IR -, o mercado não tem olhado com bom grado os projetos que vêm sendo apresentado. Quando não apresentam aumento de impostos, demonstram mais penduricalhos (mais burocracia). O cenário é assustador: a cada momento que apresentamos um projeto, sofremos um baque negativo na bolsa, afastando cada vez mais possíveis investidores.
Sobre a alta do combustível no mercado internacional: o preço do barril de petróleo tem subido desde o início do ano. Há choque de procura e volume do combustível com a abertura comercial de novos países devido à covid-19; há ainda a dinâmica da OPEC – Organização dos países exportadores de petróleo: alguns países têm segurado o volume de exportação do produto por conta da valorização do seu preço.
Valorização do dólar e desvalorização do real: tivemos uma das moedas que mais se desvalorizaram nos últimos anos em comparação com outros países. Em um ambiente de incerteza fiscal, apostamos em manter juros baixos. Mantendo juros a 2%, em um período em que o mundo transbordava liquidez (expansão gigantesca do dólar) com instabilidade fiscal e ambiente de negócios ultrapassado, grande parte do mercado optou por não ficar aqui. O investidor foi para mercados mais promissores e contribuiu para desvalorizar a nossa moeda.
Aumento do diesel versus gasolina: há uma tendência ao disparo de vários produtos que afetam a cesta básica brasileira. A commoditie açúcar, por exemplo, aumentou 62,9% este ano. É um derivado na produção do etanol que ficou mais como a gasolina, que encarece o preço do frete e o empresário acompanha a dinâmica de preço, inflando o produto diretamente na gôndola. A participação do transporte rodoviário na logística brasileira é superior a 80%, o que cria uma dependência de combustíveis fósseis no transporte de produtos. O efeito reflete diretamente na formação de preço dos demais bens industriais: por ser um custo básico, há um efeito cascata. E automaticamente o próximo impacto será no custo do frete.
Cabe mencionar ainda uma seca histórica que assola todo nosso agro. Reduzindo a produção de commodities como milho e soja, que são utilizadas para alimentação de bovinos e aves através da fabricação de ração, isso impactou bastante a elevação no preço da proteína; essa seca refletiu diretamente na energia elétrica. Temos usado matrizes termelétricas e são mais caras por utilizarem gás natural, biodiesel e carvão. Além de ser uma energia mais poluente, ela se torna mais cara, onde veio todo o baque com a nova mudança da tarifa de bandeira vermelha na conta de luz.
Quais impactos negativos com a inflação em alta?
Consequências negativas para investidores
Acarretará em problemas graves para saber qual será o rendimento real sobre o dinheiro. Há uma distorção entre rentabilidade real versus rentabilidade nominal. Para quem investe, se a inflação ficar acima do rendimento da sua carteira de investimento, provavelmente sua rentabilidade real será menor. É o exemplo de quando um produto valoriza seu preço e a rentabilidade real do investidor fica abaixo do valor esperado ou no mesmo nível que a inflação. No final do ciclo, não houve o retorno esperado, acompanhando apenas a movimentação da rentabilidade nominal de ativos.
Também levará à busca por aplicações em ativos a curto prazo. Nesses períodos, o dinheiro perde seu valor rapidamente. Há uma instabilidade gigantesca entre os preços, o que pode ser um problema. Quando investidores e pessoas passam a creditar operações a curto prazo, isso quer dizer que o mercado aposta menos em poupar dinheiro e em um futuro prévio da economia. O fator desestimula a acumulação de riqueza, por falta de poupar a longo prazo.
Impacto para sociedade
Se existe um câncer econômico para uma sociedade, ele se chama inflação. Os preços sobem disparadamente, não acompanhando a condição financeira da sociedade; os produtos se valorizam e o poder de compra regride. De 2020 a 2021, tivemos perda de R$200 no poder de compra. Se com esse valor você conseguia comprar a quantidade de produto que necessitava, hoje terá que gastar mais para adquirir a quantidade de bens que desejava ou não conseguirá comprar. Um produto que valia R$5,00 no passado, passa a valer R$10 e assim em escala nos demais itens.
Dificulta ainda o cálculo econômico e cria ineficiência, pois prejudica a tomada de decisões em um ambiente de incerteza. Afeta todo o mercado, criando inércia na economia. É um risco adicional com que há que se preocupar. Sem um ambiente de negócio promissor, é impossível uma retomada econômica e é impossível melhorar ou prosperar nesse indicador.
“Dificulta o planejamento familiar, o planejamento financeiro. Atrapalha o crescimento do país, porque traz muitos riscos. Os empresários ficam mais cautelosos, e isso não é bom para o país. Quando tem inflação, seu custo está subindo e seu produto pode perder atratividade.” – Davi Simão Silber – USP
Impacto a longo prazo
Os preços altos em 2021 distorceram os reajustes dos contratos – escolas, plano de saúde, corretoras de imóveis, financeiras, por exemplo -, movimentos que, portanto, devem impactar os preços em 2022.
Mesmo o BC elevando a taxa de juros, terá dificuldade para conter o avanço dos preços. Um exemplo: os preços de bens materiais, combustível e energia elétrica subiram. Enfrentamos uma crise inflacionária por custo, não por demanda.
Como dito acima, quando o BC eleva os juros, ele pretende esfriar a economia, retardando o consumo das famílias, tendo a intenção de conter a elevação dos preços. Estamos fora da realidade e o cenário é outro.
O surto de inflação está difícil de ser controlado. Se o BCsobe os juros, automaticamente as famílias tendem a economizar porque a remuneração sobre investimento irá aumentar com os juros altos. Se fosse forçosa a redução do consumo, a rentabilidade de quem economizou teria que ser maior.
É um cenário muito obscuro: os economistas ainda não conseguem projetar o movimento que teremos com o aumento da conta de luz, o BC não tem sido eficiente em suas respostas, as crises políticas não têm permitido um trabalho mútuo junto ao órgão.
Conclusões finais
A inflação esperada por um período curto pode ser mais constante do que imaginávamos e vem deteriorando a renda líquida de grande parte da sociedade. Os juros vão subindo com desemprego em alta, trazendo um risco gigantesco de inadimplência. A queda no rendimento líquido já tem afetado o varejo, especialmente em linha branca e linha marrom. Uma crise energética também pode se avizinhar, pois só saberemos sobre o comportamento após as chuvas de novembro. O desequilíbrio político tem colaborado para que o mercado tome posições mais defensivas; investidores e mercados têm optado por adiar investimentos e esperar um cenário político mais claro.
Caminhamos a passos nebulosos, as adversidades econômicas que vivemos vão além das vivenciadas no restante do mundo. Será impossível controlar a inflação com o fiscal abalado. O que vemos em Brasília é um jogo onde ninguém quer conter gastos. Após período de hiperinflação, o BC nunca presenciou tanta instabilidade quanto agora.
É sempre delicado falar de inflação, vindo de um país que não cresce há 15 anos, com a pior década da história. Desde a criação do real, nossa moeda vem perdendo o seu poder de compra. Temos uma inflação positiva. Isso quer dizer que, desde a criação do Plano Real, nosso dinheiro sempre perdeu o seu poder de compra – e acumula-se em 80%. Uma nota de R$100 é o equivalente a R$20. A política brasileira precisa entender que, por mais que a inflação cesse ou diminua de um ano para o outro, a tendência é a moeda sempre perder o seu valor. Ela não se valoriza mais. Se continuarmos assim, a projeção é sermos um país que gere poupança e não enriqueça, mantendo o patamar de sempre, com uma população pobre e, em boa parte, na linha da extrema pobreza.
Foto: Reprodução