A calmaria passou, a inflação voltou a subir, bateu em 0,25% em agosto e a taxa de 12 meses, 6,51%, superou de novo o limite de tolerância, imprópria e teimosamente rotulado como “teto da meta”. A meta, um ponto sem teto, continua em 4,5%, onde sempre esteve a partir de 2005. Também continua a estagflação, mistura tóxica de preços em alta com produção emperrada ou em queda. Depois de noticiada a recessão no primeiro semestre, o governo e cidadãos de boa vontade – muitíssimo boa – andaram comemorando os números da atividade industrial em julho. Deveriam esperar um pouco mais, para evitar um provável desperdício de foguetes e de champanhe.
A festejada reação apontada pelo IBGE, um crescimento de 0,7%, veio depois de uma contração de 1,4% em junho. A atividade nem retornou, portanto, ao nível de maio. Além disso, a produção acumulada no ano ficou 2,8% abaixo da calculada para o período de janeiro a julho de 2013. Em 12 meses a queda foi de 1,2%. Só uma reação bem mais forte, nestes últimos meses, poderá impedir uma nova queda anual. Os dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) podem até parecer animadores, mas a boa impressão logo desaparece quando o quadro é examinado com mais atenção.
Pelos cálculos da CNI, as horas de trabalho na produção aumentaram 2,6% de junho para julho e o uso da capacidade instalada subiu 0,6 ponto porcentual, atingindo 81%. Mas o aumento da atividade é em parte explicável pelo menor número de folgas depois de encerrada a Copa da Fifa. A advertência, incluída no informe divulgado pela entidade, foi realçada pelo gerente executivo de Política Econômica da confederação. A expectativa, segundo ele, ainda é de resultado negativo para a indústria neste ano. Apesar do aumento em julho, o indicador de horas de trabalho ainda ficou 2,3% abaixo do de julho de 2013. Além disso, o nível de emprego continuou em queda, com redução de 0,2% de junho para julho. A massa real de salários também caiu 0,2%.
A diminuição do emprego industrial é uma das tendências mais preocupantes observadas na economia brasileira nos últimos dois anos ou pouco mais. A criação de postos de trabalho tem dependido principalmente do setor de serviços e da administração pública. Isso é uma clara indicação de perda de qualidade e de produtividade da maior parte do emprego gerado no país. Essa tendência é perfeitamente compatível, também, com a prolongada estagnação da economia, compensada parcialmente só pelo bom desempenho do agronegócio.
Os primeiros dados de agosto são também negativos. No mês passado, a produção de autoveículos foi 22,4% menor que a de um ano antes, segundo informou na quinta-feira a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O número acumulado de janeiro a agosto, 2,08 milhões, foi 18% inferior ao de igual período de 2013. Na mesma comparação, o licenciamento de veículos diminuiu 9,7%.
As vendas internas de máquinas agrícolas e rodoviárias também recuaram, embora a agropecuária continue saudável e o governo continue exibindo a construção de estradas como grande realização. Até agosto, as vendas no atacado recuaram 18,9% em relação ao nível de um ano antes. O valor das exportações de veículos e máquinas agrícolas, US$ 8 bilhões, também despencou no ano e diminuiu 27,2%. No mês passado, o número de empregados nas montadoras, 148,9 mil, foi bem menor que o de um ano antes (157,6 mil) e inferior até ao de agosto de 2012 (149,8 mil).
Por enquanto a produção prevista para o ano é 5,4% menor que a de 2013, segundo o presidente da Anfavea, Luís Moan.
Até agora, o novo lance do Banco Central (BC) para reanimar a economia deu em nada. Com a liberação de recursos dos depósitos compulsórios, o setor financeiro passou a dispor de mais dinheiro para emprestar a consumidores e a empresas. Parte da liberação foi destinada explicitamente ao setor automobilístico, mas nada ou quase nada aconteceu. Segundo o governo, os bancos estão sendo excessivamente conservadores e dificultando os negócios.Grandes bancos até anunciaram redução dos juros, mas sem efeito sensível. Parte do problema, segundo as avaliações conhecidas até agora, está do outro lado do balcão. Consumidores e empresas parecem, neste momento, menos dispostos a correr atrás de novos empréstimos, embora os dados do BC ainda mostrem alguma expansão do crédito.
De toda forma, o governo insiste num jogo de possibilidades limitadas, com estímulos especiais – tributários e financeiros – dirigidos a alguns setores selecionados. O destaque, naturalmente, continua sendo a indústria automobilística. Esse tipo de aposta obviamente fracassou nos últimos quatro anos, embora alguns segmentos da indústria tenham aproveitado os incentivos para vender mais e ganhar um dinheiro extra. Mas o resultado geral para a economia é bem visível nas taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB). A expansão foi de 2,7% em 2011, 1% em 2012 e 2,5% em 2013. A recessão do primeiro semestre deste ano combinou muito bem com esses antecedentes. Mas a história vai além, porque a queda do investimento compromete o potencial de expansão econômica.
Mas o resto do mundo, insiste a presidente Dilma Rousseff, está em situação muito pior. Empenhada na campanha, ela deve continuar sem tempo para ler jornais. O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, acaba de anunciar um corte de juros e emissão de dinheiro para animar a economia. Segundo previsões do banco, a economia da região deve crescer 0,9% neste ano e 1,6% no próximo, com inflação abaixo de 1% e risco de deflação. Quadro ruim, sem dúvida. E no Brasil? Segundo pesquisa do BC de 29 de agosto, as projeções indicam crescimento de 0,52% neste ano e 1,10% em 2015, com inflação sempre acima de 6%. Na zona do euro, o desafio é elevar a inflação até 2% e movimentar a produção. No Brasil, cortar a inflação sem jogar mais para baixo uma economia já arrasada. Alguém devia contar isso à presidente.
Fonte:O Estado de S.Paulo, 06/07/2014.
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