O tema da infraestrutura há muito desperta o interesse dos economistas, por ser um dos pouco setores em que a intervenção estatal na economia pode ser justificada. A infraestrutura requer elevados investimentos em ativos fixos utilizados na produção de inúmeros serviços. Com isso, é mais eficiente uma única empresa atender todo o mercado do que o dividir entre várias firmas. Esse monopólio “natural” é eficiente do ponto de vista produtivo, mas leva à exploração dos consumidores, que ficam sem alternativas. Aí entra em cena o poder público, para fazer a empresa precificar seus serviços como em um mercado competitivo.
Essa lógica inspirou a regulação da infraestrutura pelo mundo afora no início do século XX. Mas a prática mostrou-se mais complicada do que a teoria. Ali pelos anos 1930, começou a prosperar a ideia de que a solução era o próprio setor público ser o monopolista de infraestrutura. Assim poderia ser eficiente na produção e socialmente responsável sobre as tarifas e outras decisões.
O Brasil embarcou nessa onda com bons resultados, expandindo significativamente sua infraestrutura. Porém, esse modelo ruiu a partir de meados dos anos 1980, por conta de dois fatores principais. Primeiro, a infraestrutura deixou de ser prioridade para o gasto público: nos anos 1970, o investimento público em infraestrutura correspondia a mais de 20% da carga tributária; hoje, equivale a um sexto disso. Segundo, o setor público perdeu a capacidade de selecionar, estruturar e executar projetos de infraestrutura. Mesmo quando há recursos destinados à infraestrutura, o governo tem dificuldade de gastá-los bem.
Aliás, em todo o mundo o desempenho na área de infraestrutura deixava a desejar nos anos 1980, o que levou à redução da intervenção estatal no setor, via privatizações e desregulamentações. O Brasil também embarcou nesse processo logo em seguida, na esperança que as empresas privadas realizassem os investimentos no lugar do setor público. A premissa era que essas empresas seriam mais eficientes, reduzindo custos, e teriam mais facilidade de levantar recursos no mercado financeiro.
Os resultados, porém, ficaram aquém do esperado e do que se observa em países ricos que adotaram a mesma estratégia. O setor privado assumiu com sucesso infraestruturas já existentes – hidrelétricas, estradas, aeroportos etc – reabilitando, mantendo e expandindo marginalmente a sua capacidade, mas praticamente ignorou os novos projetos, a não ser quando fortemente subsidiados via crédito barato do BNDES e a participação de empresas estatais no capital (Eletrobrás, Infraero etc).
O resultado é que há três decênios a taxa de investimento em infraestrutura se situa em pouco mais de 2% do PIB, o que é insuficiente para evitar que a qualidade da nossa infraestrutura continue se deteriorando.
O que deu errado? Minha leitura é que no Brasil o investimento privado em infraestrutura não decola porque o risco é alto demais. E o risco é alto porque a nossa institucionalidade não dá sustentação à organização dessa atividade via transações de mercado, em oposição à organização hierárquica que prevalece no investimento público.
Projetos de infraestrutura exigem elevados investimentos em ativos afundados, a serem remunerados ao longo da concessão. Há o risco, porém, de que uma vez o investimento feito, o governo fixe tarifas que remunerem apenas o custo de operação, penalizando a empresa. Para evitar que isso ocorra, governo e empresa celebram contratos de concessão estabelecendo regras que protejam o investidor. Além disso, as agências reguladoras têm o papel de garantir que em situações não previstas em contrato a sua lógica prevaleça.
É assim nos países ricos e em emergentes como o Brasil. Ocorre que no Brasil as concessões são contratadas com projetos mal feitos e com a manifestação de atores intervenientes após a celebração do contrato: órgãos de controle, governos subnacionais etc. Isso torna os contratos especialmente incompletos, abrindo grande margem para comportamentos oportunistas, que não são enfrentados pelas agências reguladoras, pelo contrário. E a morosidade e o ativismo judicial tornam o custo de resolver essas situações especialmente elevado.
No Brasil, setor público e empresas privadas parecem sempre dispostos a renegociar o contrato para dar um jeitinho de resolver essa ou aquela pendência. Mas essa é uma cultura contratual de fôlego curto, que não atrai grandes empresas e investidores estrangeiros e não vai alavancar o investimento em infraestrutura ao patamar que precisamos (algo como 4% a 5% do PIB).
É preciso encarar essa inconsistência interna da nossa estratégia para a infraestrutura. Devemos limitar o espaço para a intervenção estatal, produzir contratos de concessão mais completos e de alguma forma blindá-los juridicamente contra o comportamento oportunista das partes. Paralelamente, é preciso pensar em como elevar o investimento público no setor, possivelmente via PPPs. Não são desafios pequenos.
Fonte: “Valor econômico”, 3 de fevereiro de 2017.
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