Falta de traduções, erros de informação, entre outros, têm marcado a tentativa do governo de atrair investimentos estrangeiros para projetos no Brasil
Um empresário do setor portuário dos Estados Unidos procurou este ano a embaixada brasileira em Washington em busca de informações sobre o plano de investimento do governo para a área. Recebeu a orientação para visitar o site da Secretaria dos Portos, mas achou apenas uma apresentação em português. Falta de traduções, erros de informação, improvisação e muito amadorismo nos contatos profissionais têm marcado a tentativa do governo de atrair investimentos estrangeiros para projetos de infraestrutura no Brasil.
Ao empresário americano, não restou outra opção a não ser pagar um representante para viajar ao Brasil. Mas, até agora, ele não conseguiu o sinal verde para instalar seu projeto de um terminal de uso privativo. Num momento em que o autoridades do governo viajam por Ásia, América do Norte e Europa oferecendo investimentos de quase R$ 500 bilhões, os empresários estrangeiros reclamam da qualidade do marketing brasileiro e da falta de profissionalismo nos projetos. Mesmo para uma experiência relativamente bem-sucedida em atrair investimento externo, como no caso do leilão do campo de petróleo de Libra, que contou com participação de chineses, anglo-holandeses e franceses, não era possível encontrar até a sexta-feira passada — ou seja, quatro dias após a licitação — informações em inglês sobre o resultado do evento no site oficial em língua inglesa da Agência Nacional de Petróleo (ANP), o www.brasil-rounds.gov.br.
Para Marcelo Torto, analista-chefe Ativa Corretora, o interesse de estrangeiros na área de Libra foi “surpreendente”, diante do ambiente de insegurança jurídica que cerca as concessões no país:
— O governo tem trabalhado em um esquema de tentativa e erro nas concessões de infraestrutura. Se um edital não atrai a atenção, remodelam uma coisa ou outra depois de já terem publicado as regras.
Não há uma autoridade que responda pelas ações de atração de investimentos em infraestrutura em geral. Procurada, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) informa que só cuida de investimentos de foco comercial e industrial, não de eventos datados. A assessoria de comunicação da Casa Civil direcionou as perguntas do “Globo” sobre o funcionamento dos road shows ao Ministério da Fazenda, que se limitou a traçar um cenário macroeconômico.
Com esta estratégia, o governo deixou escapar investidores privados do leilão de Libra — como as empresas americanas — e teve de prorrogar mais uma vez o edital do Trem de Alta Velocidade (TAV). Apesar da aceleração dos investimentos diretos estrangeiros no últimos anos, o Banco Central acaba de revisar para baixo a projeção deste ano, de US$ 65 bilhões para US$ 60 bilhões — menor que do ano passado.
Sem retarguarda técnica nas apresentações
Nos bastidores, técnicos da equipe econômica admitem que o governo tem uma estratégia confusa na comunicação com investidores estrangeiros. No último road show, em Nova York, do qual até a presidente Dilma Rousseff participou, só houve discursos do alto escalão, mais genéricos. Faltaram encontros de técnicos com interessados nos projetos.
— Sempre tem de existir uma retaguarda técnica que detalha e tira dúvidas. Isso não aconteceu no último road show — disse um técnico.
Ele admite que técnicos do governo têm contato próximo com os empresários nacionais, mas o mesmo não acontece no âmbito internacional. Indagados, Casa Civil e Fazenda não responderam.
Segundo técnicos que já participaram de road shows, o governo precisaria incluir nas viagens mais representantes de ministérios e de agências reguladoras, conhecedores dos projetos.
— O governo acha que basta dizer que o Brasil tem potencial para que o estrangeiro venha colocar seu dinheiro aqui, mas não é bem assim. Não adianta ficar só falando o que é que a baiana tem. Isso é uma ingenuidade — disse uma fonte que acompanhou road shows de perto.
Atraso de 40 minutos em ‘road show’
O Secretário de Política Econômica da Fazenda, Marcio Holland, disse que o governo tem ampla e regular agenda de reuniões com o setor privado doméstico e estrangeiro, nas quais são detalhados os cenários econômicos, o funcionamento de nossos mercados e os incentivos creditícios e tributários.
— O Brasil tem se mostrado bastante atrativo ao investimento estrangeiro direto, tanto que nos últimos dois anos recebeu mais de US$ 60 bilhões por ano, ficando entre os cinco maiores destinos do mundo e, este ano, deve ficar também em torno de US$ 60 bilhões.
O consultor americano Mark Cowan, da Cowan Strategies, relata que costuma ver no exterior agentes a serviço de países como China, Equador e Colômbia, mas diz que o Brasil é um dos poucos que não contrata representantes para fazer esse tipo de contato, em que se obtém mais comprometimento dos parceiros do que em road shows.
— É como viajar: você não vai a Aruba só pelo anúncio. É algo pessoal, que alguém tem de te convencer. O mesmo ocorre com investimentos. As pessoas e instituições não vão investir porque o governo anuncia as oportunidades, mas se tiverem um contato pessoal — disse Cowan.
Uma fonte que acompanha os road shows brasileiros lembra que não são raros os casos em que o estrangeiro pede detalhes sobre um projeto, conta, e o governo brasileiro apresenta informações defasadas ou responde: “estará no edital”.
Recentemente, em reuniões com americanos, um dos encarregados de “vender” o Brasil lá fora disse que o país desejava ter mais investidores com o perfil dos que aplicam em fundos de pensão de sindicatos dos EUA. Ele desconhecia, porém, que a maioria é impedida por uma lei americana (Taft-Hartley Act) de investir cifras significativas fora do país.
Outra reclamação é a displicência com que as autoridades tratam o potencial investidor. No último road show, em Nova York, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou com 40 minutos de atraso. Neste período, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, improvisou uma fala no palco organizado pelo Goldman Sachs. Em outra ocasião, o governo cancelou um road show no Canadá poucos dias antes de sua realização e até hoje não remarcou o evento.
O descompasso entre os editais e a realidade é outro aspecto que espanta interessados. Como ocorreu nos editais das concessões rodoviárias, nos quais o governo supõe uma taxa básica de juro (Selic) em 7,5% — hoje a taxa já está em 9,5% — e considerações como a de que a crise financeira mundial está intensa.
— Nos editais de países desenvolvidos coisas desse tipo não ocorrem. O estrangeiro tem medo de vir para o Brasil — afirma Torto.
(Colaborou Roberta Scrivano)
Fonte: O Globo
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