O crescente protagonismo do Judiciário e instituições de controle “lato sensu” tem sido acompanhado da derrocada do controle parlamentar sobre o Poder Executivo. Os dois fenômenos não são independentes nem exclusivos do nosso país.
Exemplos do segundo são os dois pedidos de licença para investigação do presidente da República por crimes comuns. Mas o marco simbólico é a CPMI da Petrobras, cujo relatório final, em novembro de 2014, mesmo elaborado com o governo nas cordas, e face ao maior escândalo da história, não indiciou ninguém.
O relatório foi emendado às pressas após divulgação de vídeo no qual parlamentares governistas e depoentes realizam ensaio sobre como iriam atuar na CPI.
Mais recentemente, em uma inversão de papéis, foi instalada a CPI mista da JBS, sob o comando do capitão do mato Carlos Marun. Seu objetivo é reconhecido abertamente: atacar o Judiciário, a Polícia Federal e o MP.
A inversão é notável: trata-se do exercício do controle do governo sobre as instituições que o deviam controlar e sancionar. O padrão estabelecido na Nova República até recentemente era o controle do governo sobre os trabalhos das CPIs. O contraste com a democracia pré-1964 é eloquente: as CPIs ameaçavam derrubar governos.
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Sob o parlamentarismo, há uma fusão de poderes legislativo e executivo em um mecanismo que Walter Bagehot (1826-1877) chamou de “segredo eficiente” por inibir crises e garantir a implementação da agenda do governo. Sob o nosso presidencialismo parlamentarizado o segredo é deficiente: a fusão de poderes produz deficit de “accountability”.
O desenho constitucional do modelo mais difundido de parlamentarismo – o de Westminster – reconhece o moral hazard (risco moral) envolvido e oferece uma solução. Cabe à minoria no Parlamento a presidência de Inquiry Commissions e da Public Accounts Committee, a quem cabe a nomeação do titular do National Audit Office (cujo equivalente aqui seria o TCU).
No Brasil, no entanto, não há barreiras às maiorias: a estrutura de incentivos milita contra o controle parlamentar, produzindo não só sua falência mas também descrédito amplo das instituições parlamentares. As expectativas e esperanças da República voltam-se assim para as instituições contramajoritárias. O fenômeno não é exclusivamente brasileiro, mas não há espaço para discuti-lo em detalhe.
Quando a corrupção torna-se sistêmica, este movimento produz a hiperpolitização das cortes e instituições autônomas. À politização engendrada pela judicialização crescente e “overload” de sua agenda soma-se aquela resultante da investigação e julgamento de mais de uma centena de parlamentares. O descontrole está no centro do nosso dilema institucional.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 06/11/2017.
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