Você acredita que estará no seu emprego em dezembro de 2017? Isso, é claro, no caso de você ainda ter um. Caso não tenha mais, por um motivo qualquer: você acredita que conseguirá arrumar um outro, em condições mais ou menos parecidas com o que tinha, até o fim deste ano? É melhor nem perguntar nada aos que nunca tiveram emprego algum na vida, como acontece com um número cada vez maior de jovens brasileiros, mesmo os de boa formação escolar. Parece desagradável fazer esse tipo de pergunta, e mais desagradável ainda ouvi-la — a vida já é complicada o suficiente para a pessoa ficar lendo sobre questões difíceis. Mas não olhar para as realidades não costuma levar ninguém a lugar nenhum. Sempre dá, usando a imaginação, para tapear a vida por algum tempo. Só por algum tempo, porém, e o problema está justamente aí. Esta revista, de qualquer forma, não tem entre os seus propósitos a obrigação de evitar os assuntos incômodos para o leitor — e ainda bem, porque no Brasil de hoje uma missão dessas seria perfeitamente impossível.
Os números à disposição no momento são de dar medo em qualquer cidadão que precisa ganhar a vida com o seu trabalho. Há estimativas de que quase 60% dos empregos existentes hoje nos países desenvolvidos correm o risco de sumir em médio prazo. Não adianta se consolar com o fato de que o Brasil não é um país desenvolvido. Estamos, ao contrário, no grupo de sociedades nas quais a maior parte dos postos de trabalho é considerada vulnerável — são os empregos “informais”, ou temporários, ou de baixa qualidade, baixo salário, baixa produtividade e baixa proteção social, devido a um poder público cronicamente quebrado. Na China, com quem o mundo tanto conta, as cifras são especialmente horríveis: os empregos ameaçados, lá, chegam perto dos 80%. Calcula-se que atualmente mais da metade dos americanos trabalha por conta própria; eles desistiram, simplesmente, de empregar-se numa companhia, no governo ou em algum tipo de organização com folha de pagamento. Cerca de 200 milhões de pessoas em idade de trabalhar, em todo o mundo, entraram em 2017 sem ter uma colocação remunerada. Metade dos empregos a ser criados na Europa de hoje em diante vai exigir uma capacitação profissional muito alta — será preciso saber coisas que você não sabe, e talvez já não consiga mais aprender.
Ninguém pode ter certezas científicas sobre a exatidão desses números, calculados por organizações internacionais. Mas não há dúvida de que as cifras apontam na direção certa — ou alguém acha que a vida real mostra o contrário disso aí? A chave da questão, basicamente, está no arrasador, inquietante e muitas vezes perverso conjunto de perturbações trazidas para países e pessoas pelo que vem sendo chamado há tempos de “sociedade da inteligência”. O que vale, cada vez mais, é a tecnologia de vanguarda e as mudanças que vêm sendo impostas a todos pelo avanço quase diário do computador em tantas áreas do conhecimento humano — automação, robôs, genética, aprendizado automático, biotecnologia. A regra, agora, é pensar em termos de fábricas, escritórios, casas, prédios ou máquinas “inteligentes”. A nanotecnologia faz progressos constantes na produção de estruturas e materiais a partir de escalas expressas em átomos. Estão aí a internet móvel, o aumento cada vez mais rápido da capacidade de processamento de dados dos computadores, a nova matemática, ou nova engenharia, ou nova medicina, e por aí afora. São coisas com um grau de complexidade muito acima da capacidade de compreensão da imensa maioria das populações; em países que vivem em situação permanente de catástrofe na educação, como o Brasil, as coisas ficam apenas piores. Tudo isso custa empregos — algo como 30 milhões de postos de trabalho extintos nos últimos dez anos.
As condições não vão melhorar em 2017, nem depois; não há previsões a respeito de quando essa monumental encrenca vai acabar. Uma coisa é certa, com segurança absoluta: a resposta errada para a situação é chamar o governo. No Brasil, então, a mera ideia é positivamente absurda — se os atores da vida pública não entendem, nem de longe, qual é o problema, como poderiam propor alguma solução? O máximo em que conseguem pensar é aumentar impostos, escrever leis para anular a realidade e criar mais despesas para o Erário. São o exato contrário de qualquer noção na qual possa entrar a palavra “inteligência”. Querem ficar no passado — e essa opção não existe.
Fonte: “Veja”, 22 de janeiro de 2017.
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