Uma dificuldade que os profissionais de economia têm é separar seus interesses e suas escolhas normativas de país de análises puramente técnicas.
Pode-se preferir um modelo de Estado mais liberal com menor oferta pública de serviços de saúde ou educação e que os seguros, contra desemprego e velhice, por exemplo, sejam tratados como problema privado. As sociedades orientais em geral preferem esse modelo.
Diferentemente, pode-se preferir um modelo de oferta integralmente pública de saúde e educação e que os seguros sociais sejam ofertados pelo Estado na forma de seguro social compartilhado coletivamente. Esse é o modelo preferido pelas sociedades da Europa continental.
Qual dos dois modelos é melhor? Impossível saber. Os economistas nada têm a dizer a respeito dessas escolhas. Podem-se mostrar os custos e os benefícios. Mas estes são impossíveis de serem comparados de forma objetiva. No entanto, há questões que deveriam ser passíveis de uma abordagem técnica.
A enorme dificuldade com a conversa entre os economistas é que a profissão –e esse fato é particularmente agudo no Brasil– não concorda nem sobre proposições que deveriam ter natureza técnica ou de conhecimento positivo (isto é, conhecimento sobre a natureza do objeto).
Por exemplo, ampliar o gasto social aumenta ou reduz a inflação? Essa é uma questão objetiva. A resposta não depende da opinião do cidadão economista sobre o gasto social em si. Como cidadão, o profissional de economia pode achar bom um aumento dos gastos sociais ou pode achar ruim.
Como os economistas, principalmente no Brasil, discordam em relação a proposições objetivas ou técnicas, o debate ocorre principalmente nessa esfera. Aumentar o ativismo do BNDES aumenta o investimento ou não? Quais são as causas de o juro real na economia brasileira ser tão elevado?
Ou seja, no Brasil dificilmente os economistas discordam sobre os fins. O grande debate é sobre os meios.
Na semana passada, diversos economistas assinaram um manifesto (http://brasildebate.com.br/economistas-pelo-desenvolvimento-e- pela-inclusao-social/) se contrapondo a uma política de forte ajuste macroeconômico.
Argumentam –discordando de profissionais de economia que pensam como eu– que um forte ajuste econômico, principalmente um forte ajuste fiscal, agravaria ainda mais a situação. Produziria desemprego a mais recessão.
Esse é um debate técnico. Nas atuais circunstâncias de nossa economia, um ajuste fiscal melhora o funcionamento da economia ou agrava? Certamente debateremos esse tema pelos próximos anos.
Minha posição é que a maior parte de toda a dinâmica positiva que ocorreu na economia brasileira nos últimos 12 anos resulta das instituições fiscais que construímos e de um vigoroso ajuste fiscal que fizemos de 1999 até 2011.
Também creio que estamos contratando enormes problemas para o futuro com o fortíssimo desajuste fiscal que construímos nos últimos três anos. Esse é um bom debate.
O que desagrada muito a todos nós que temos visão diferente do funcionamento da economia é a tentativa que o manifesto faz de transformar divergências sobre a natureza do funcionamento da economia em defesa de interesses.
Segundo o manifesto, quem pensa diferente deles “faz parte do jogral dos porta-vozes do mercado financeiro”. Existe o partido dos economistas bons que defendem os pobres e o dos economistas que defendem os banqueiros. É a baixaria do “nós contra eles” do debate eleitoral. O diferente defende interesses e por isso é diferente.
Sempre há espaço para a discussão de diferentes modelos. Sempre haverá diferentes sociedades para sonharmos. Infelizmente, esse não é o caso com a importância do ajuste fiscal para o futuro de nossa sociedade. Esse debate é técnico.
Há muito pouco espaço para debate de alto nível quando uma parte se apresenta com superioridade moral autoconcedida, na precisa tradução de meu amigo Renato Fragelli à expressão inglesa “self-righteousness”. Seria melhor que o lado de lá melhorasse seus argumentos em vez de jogar pedra em quem pensa diferente.
Fonte: Folha de S. Paulo, 09/11/2014.
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