Elena Landau foi a mulher à frente das privatizações no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Entre 1993 e 1996, ela comandou a diretoria do BNDES que cuidava desde a identificação de ativos para a venda até a oferta ao mercado. Vendeu siderúrgicas, petroquímicas e iniciou o processo da Vale. É economista e, há dez anos, tornou-se advogada. Hoje, é sócia do escritório Sérgio Bermudes, especialista em regulação do setor elétrico. Amparada nesse currículo, defende a retomada das privatizações como forma de aumentar a eficiência e a competitividade do país, desde que bem feitas. Além disso, seriam uma fonte de receita para acelerar o ajuste das contas públicas. “Vamos privatizar sem vergonha ideológica”, afirma. Elena define a presidente afastada, Dilma Rousseff, como um “mágico que acredita na própria mágica”, ao referir-se às pedaladas fiscais. E diz observar “com cautela” o governo interino de Michel Temer, de quem espera demonstrações firmes de comprometimento.
“Época” – Por que a senhora acha que o governo Temer, já alvo de crítica pelos opositores do impeachment, deveria adotar mais um ponto controverso, as privatizações?
Elena Landau – Falam de privatização de um ponto de vista ideológico, e só quando o caixa aperta é que se faz, porque a resistência é muito grande mesmo. Então, acaba-se adiando ao máximo. Privatização virou uma necessidade, não só pela questão fiscal, mas pela qualidade da governança, pela eficiência, para tornar o Brasil competitivo, reduzir seus custos, evitar repassar dinheiro público para empresas sem eficiência. Sou a favor de privatização mesmo fora de contexto da crise fiscal. Vamos privatizar sem vergonha ideológica. É evidente que privatizar é mais uma agenda controversa, mais uma dentro de um número muito grande de reformas que o governo terá de fazer. Acho que vão tentar porque não há mais opção. Vai haver gente condenando? Vai, mas foi assim nos anos 1990, e terá de ser assim de novo, porque está se corrigindo um rumo.
“Época” – Não seria prudente esperar o Senado decidir se vai ou não afastar em definitivo a presidente Dilma?
Elena – Veja o ministro de Relações Exteriores, José Serra. Em um dia, ele disse a que veio. Privatização é assim, tem de dizer a que veio. Caso contrário, vem a pressão, a incerteza. Se você pensar, no governo do PT as privatizações não pararam, só foram escondidas na questão semântica, chamaram de concessão. O problema é que foram malfeitas.
“Época” – Por que malfeitas?
Elena – Faltou planejamento. Faltou um roteiro que coordenasse os diversos ministérios, tribunais e órgãos envolvidos. Aumentou-se a quantidade de instâncias. É questão de organizar, ver o que deu errado nos processos anteriores, e não mudar regra. O governo do PT mudou as regras no meio dos processos, em quase todas as concessões. Também buscou fixar taxas artificiais de retorno, o que, no fim das contas, levava o investidor ao BNDES para ajustar o negócio com empréstimos a juros subsidiados. Mudanças têm de ser comunicadas em editais. No setor elétrico, no qual tenho mais experiência, soubemos de mudanças pelos jornais. Isso deixa o investidor ressabiado. Os leilões de linhas de transmissão de energia vão parar, porque as licenças ambientais demoram demais, e o investidor não consegue depois ajustar o prazo com os outros órgãos. Pergunta-se se leva muito tempo para organizar tudo isso. Mas leva-se mais tempo fazendo e desfazendo do que parando e definindo claramente o que se quer.
“Época” – Uma crítica ao governo Temer é que ele quer implementar uma agenda que não venceu a eleição.
Elena – Dilma mudou completamente a agenda uma semana depois de ganhar a eleição. Acabou criando um problema, ao ficar no meio do caminho. Independentemente de ideologia, o modelo não deu certo. Mesmo quem não é economista vê. São 12 milhões de desempregados, inflação que só não sobe mais por causa da recessão, perda de 8% no PIB. O BNDES pegou R$ 500 bilhões do Tesouro e não aumentou a produtividade. Olho o Temer com cautela. Vamos ver se ele passa a turbulência. Ele é conhecido por ser um grande articulador político. Imagino que saiba o que está fazendo. Apesar da composição política, vejo nomes técnicos, nas secretarias, muito bons.
“Época” – Com crise institucional, política e econômica, além de corrupção, o investidor ainda quer investir no Brasil?
Elena – Há comprador, desde que haja regras claras e transparência.
“Época” – O que deveria ser privatizado?
Elena – A lista é enorme. Mas precisa organizar tudo. Os setores óbvios são energia, saneamento e infraestrutura. Em infraestrutura, há aeroportos, rodovias. No saneamento, dependemos dos Estados, onde há boas empresas. Em alguns casos, a empresa deveria ser fechada. E, em outros, fazer abertura de capital. É o caso de Furnas, subsidiária da Eletrobras.
“Época” – Petrobras e Eletrobras deveriam entrar na lista?
Elena – Não vejo nenhuma condição, neste momento, de pensar em privatizar a Petrobras. Isso, aliás, nunca foi falado, em nenhum governo. Acho uma briga que não tem sentido. A Eletrobras esteve na lista do Programa Nacional de Desestatização, mas Dilma tirou. No caso da Eletrobras, é preciso reorganizar a empresa.
“Época” – Por que a venda de fatias das subsidiárias da Petrobras está dando errado?
Elena – Pela combinação entre crise e modelo errado. É uma privatização envergonhada. Aconteceu com a Infraero, que ofereceu 49%. Ninguém quer correr o risco de ser acionista minoritário, porque não há liberdade de fazer as mudanças necessárias. Tem de discutir também: o que se quer da Petrobras? Não é só porque há premência de caixa que vai sair vendendo, até porque alguns ativos são muito pequenos perto dos problemas.
“Época” – A presidente afastada queria reduzir a tarifa de energia. Mas a tarifa subiu, e muito. É possível baixá-la?
Elena – Essa obsessão com tarifas módicas gerou tarifa ainda mais alta, porque veio da intervenção do Estado. No final, gerou-se um tarifaço e uma queda de demanda no momento errado, de recessão, o que criou outro problema para as distribuidoras, que agora têm excesso de energia para vender. Além disso, o modelo construído em 2003, após o racionamento, foi feito para que sobrasse energia. Isso tem custo. Modicidade tarifária não é um conceito absoluto. É a menor tarifa possível para um equilíbrio das empresas, com metas de atendimento e segurança. O setor inteiro agora está em crise. As opções para resolver – aumento de tarifa, empréstimo bancário, recursos do Tesouro – foram usadas, sem sucesso. Será necessário criatividade para superar o impasse.
“Época” – Como o país pode voltar a crescer?
Elena – É preciso aumentar a taxa de investimento, e as concessões são o caminho número um para isso. A agenda de reformas trabalhista, previdenciária e mais alguma coisa que aumente a produtividade são necessárias. Recentemente, achou-se que bastava reduzir a tarifa de energia ou dar subsídio fiscal. Não deu certo. A intervenção estatal é um modelo esgotado, não deu certo. O modelo de crescer via consumo e crédito se esgotou. Precisamos investir em educação, inovação.
“Época” – Como investir em educação e inovação sem dinheiro?
Elena – Muitos se referem a economistas liberais de forma pejorativa, por acreditar que não pensam no social. Não é verdade. Sem organização fiscal, não há como investir no social. O governo Lula teve sucesso porque recebeu uma herança fiscal bendita. Lula teve um começo ruim, causado pela expectativa da possível eleição dele. Mas recebeu um regime fiscal organizado e um regime de metas inflacionárias. O problema foi quando se decidiu mudar, achando que dinheiro dava em árvore.
“Época” – O que achou do ministério só de homens?
Elena – Eu gostaria de ter um ministério com mais mulheres. Teria me dado orgulho. Mas não gostaria de ser indicada só por ser mulher. Foi uma distração do Temer, que deveria ter percebido. Os partidos também deveriam ter indicado. As senadoras Ana Amélia (PP) e Simone Tebet (PMDB), que participaram ativamente do impeachment, poderiam ter sido lembradas. Pelo menos, as mulheres que chegaram depois disso, como Flávia Piovesan (secretária de Direitos Humanos), Maria Helena Guimarães de Castro (secretária executiva do Ministério da Educação) e Maria Silvia Bastos Marques (presidente do BNDES), são nomes muito bons.
Fonte: “Época”, 2 de junho de 2016.
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