O título deste artigo vem de um livro do teólogo canadense D.A. Carson, e pode parecer paradoxal à primeira vista. Afinal, como pode haver tolerantes intolerantes? Após uma reflexão, porém, a ideia fica mais clara. Há um grupo cada vez maior de pessoas que, em nome da tolerância, demonstra incrível intolerância com aqueles de quem divergem. Carson argumenta que a “nova” tolerância representa uma forma peculiar de intolerância. Antes, tolerar era aceitar a existência de pontos de vista diferentes, conviver com eles, ainda que os combatendo.
Talvez o melhor exemplo dessa tradição seja a frase atribuída a Voltaire, que teria dito para Rousseau: “Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo.” Vale notar que Voltaire considerava Rousseau um “poço de vileza”. Isso é importante, pois o ato de tolerar era nobre justamente porque o filósofo rejeitava claramente o pensamento e até a pessoa a quem estendia sua tolerância. Tolerar era aceitar as diferenças, não abraçá-las como nobres em si.
Hoje, significa aceitar os diferentes pontos de vista como se fossem igualmente válidos, uma mudança que parece sutil, mas tem grandes consequências práticas. Agora, o “tolerante” precisa tomar qualquer opinião como verdadeira. Em vez de aceitar a liberdade de expressão de opiniões contrárias, ele deve acatar todas essas opiniões.
Essa mudança de paradigma dentro do próprio Ocidente vem pavimentando a estrada da possível destruição de seus principais valores, assim como a cultura ocidental como a conhecemos. Não precisamos apenas tolerar as ideias islâmicas, por exemplo, com o direito até mesmo de combatê-las; devemos abraçá-las como igualmente válidas, ou “apenas diferentes” das próprias ideias que fundaram a cultura de liberdade ocidental.
Thomas Sowell diz que há poucos mais dogmáticos do que aqueles que falam em diversidade o tempo todo. Com ironia, manda perguntar, da próxima vez que escutar um “progressista” enaltecendo a importância da diversidade, quantos conservadores existem no departamento de sociologia de sua faculdade.
Na verdade, os movimentos sociais de “minorias” costumam demonstrar bastante intolerância com certos grupos, como o de liberais e conservadores, principalmente os religiosos. A tolerância dos “tolerantes” é bem seletiva e limitada, na prática. Podem demonizar as elites, o homem branco ocidental, os ricos, os católicos, os “neoliberais”, e ainda conseguem posar de defensores da diversidade e da tolerância depois. Incoerente, não?
Algumas feministas destilam verdadeiro ódio aos homens e às mulheres que se recusam a aderir ao discurso de vitimização do “sexo oprimido”. Veganos não toleram aqueles que pensam que animais podem e devem servir de alimento ao homem. Racialistas chamam de traidores, com baba de ódio escorrendo pelo canto da boca, aqueles negros que se recusam a aplaudir a segregação da humanidade com base na “raça”. Membros do movimento gay demandam mais tolerância, ao mesmo tempo em que repudiam com veemência aqueles que simplesmente não gostam ou não querem perto de si homossexuais. Onde está a verdadeira intolerância? Todos são obrigados a achar “lindo” o amor entre dois homens? Se fosse para usar o conceito tradicional de tolerância, esses que não gostam ou sentem aversão (e não fobia) a gays teriam, sem dúvida, que aceitá-los e manter o devido respeito como seres humanos que são. Mas é só. Tolerar não deve ser sinônimo de gostar, aprovar, aplaudir ou mesmo conviver. Discriminar é separar, selecionar, e todos devem ser livres para escolher com quem querem compartilhar seus momentos.
Quem se coloca contra todo tipo de discriminação ou preconceito é, no fundo, hipócrita. Bastaria uma reflexão rápida e honesta para constatar que ele também discrimina e tem sua cota de preconceitos. Talvez, contra liberais que escrevem neste jornal. Talvez, contra um pastor evangélico. Talvez, contra um capitalista burguês que gosta de Miami.
Enquanto as escolhas forem voluntárias e a segregação for pacífica, a tolerância está sendo praticada. Eu, que abomino o socialismo, pois sacrificou a vida de milhões de inocentes (inclusive os gays) no altar da utopia, tolero socialistas. Mas pretendo continuar combatendo esta ideologia nefasta no campo das ideias, e selecionando minhas próprias amizades, que englobam gays, por exemplo, mas não petistas.
Intolerância? Não. Apenas minha liberdade de escolha. Esta que tantos “tolerantes” detestam, pois gostariam de impor sua visão de mundo estreita e uniforme.
Fonte: O Globo, 04/02/2014
Eu, sou comunista, e nem por isso “detesto” o capitalismo. A maioria dos meus amigos queridos são tucanos. Mas eu argumento, com convicção, que a “utopia” neo-liberal é que mata diuturnamente milhões de pobres inocentes e excluídos em todo o mundo capitalista.