A cada dia que passa, aumenta a preocupação com a malemolência do crescimento do país. A raiz do problema é que o remédio prescrito tem efeito perverso, como o de um veneno, e agrava a enfermidade. Na atual conjuntura, quanto maiores forem as despesas públicas, pior será o desempenho da economia.
O que apavora é o discurso defendendo sua continuação. Um déficit pode até ser recomendável, dependendo das circunstâncias. Esquematicamente, é uma troca intertemporal: os gastos financiados com dívida no presente devem ser ressarcidos, acrescidos de juros, no futuro. Leia-se: as despesas adicionais de hoje se transformam em mais impostos amanhã.
Cada caso é um caso. Também existem situações em que é prejudicial. O resultado depende do quadro macroeconômico, da qualidade dos gastos e da combinação de dois efeitos: o multiplicador e o deslocamento, este último também conhecido pelo anglicismo crowding out, e se refere à contração do setor privado pela ação do governo.
O texto mais notório sobre o uso de despesas públicas para estimular a economia foi publicado por Keynes há quase 80 anos. Nele, o autor descreveu apenas o multiplicador. Ignorou o impacto do efeito deslocamento, possivelmente porque no lugar e época, a Inglaterra na depressão dos anos 1930, ele era insignificante.
Então, a economia britânica apresentava desemprego elevado, preços caindo, abertura comercial mínima, dívida pública reduzida e taxas de juros num piso histórico. Os gastos prescritos pelo notável economista eram de pouca monta: sugeria enterrar garrafas com dinheiro para que fossem retiradas por desocupados, induzindo-os a gastar mais e estimular o comércio e, num segundo momento, a indústria.
O remédio foi aplicado com sucesso lá e em outras situações parecidas. Uma delas foi no Brasil após a crise de 1929, por Getúlio Vargas, que comprou e queimou sacas de café para manter o preço interno do produto, que havia despencado no exterior. Dessa forma, estimulou a demanda e evitou o agravamento dos efeitos da crise internacional aqui.
São conjunturas bem diferentes à que se observa no Brasil atual, que tem desemprego baixo, pressão inflacionária forte, abertura comercial acentuada, dívida pública em quase 60% do PIB e onde os juros básicos devem alcançar dois dígitos no final deste mês.
É um quadro que exige cautela para aumentar ainda mais o endividamento do setor público, que anualmente custa R$ 229,6 bilhões, 5% do PIB, para ser rolado. Na média, cada brasileiro paga R$ 1,1 mil por ano só de juros da dívida pública, sem amortizar o principal.
São recursos do setor produtivo que vão para detentores de títulos do governo, alguns deles no exterior. Pode ser o início de um processo de mais dívida, mais juros, mais impostos e menos crescimento que impera reverter. Afora o fato de que o resultado da política de déficits na economia brasileira, na melhor das hipóteses, é anêmico.
É o que mostram os números recentes. No atual governo, a dívida pública aumentou R$ 704,4 bilhões e o PIB anual cresceu R$ 809,9 bilhões. Para cada R$ 100 de aumento de dívida, o PIB subiu R$ 115. Considerando os juros que serão pagos e todos os demais fatores que propulsionam a atividade econômica, como a safra recorde, o resultado líquido de aumento do endividamento não é positivo. Acrescente-se a isso que as expectativas de crescimento para os próximos anos caíram nesse período.
É fato, a soma dos dois efeitos dos déficits é negativa. Por um lado, o multiplicador é baixo pela qualidade dos gastos e, por outro, o deslocamento do setor privado é negativo em razão da ocupação de espaços pelo governo, dos impactos adversos de uma dívida mais alta e das expectativas de crescimento menores. Perde-se mais do que se ganha com a gestão adotada.
O ponto deste artigo é que os déficits do governo estão tendo um efeito diametralmente oposto ao desejado. A bem da verdade, desde a Independência, grandes crises no Brasil foram causadas por descontroles da dívida pública. A história também tem exemplos de superações de problemas maiores que os atuais.
O que fazer? O mais importante é reconhecer que a intoxicação fiscal existe. Negar o problema só agrava a percepção de risco e posterga sua superação. Deve-se mudar o discurso e começar a reverter o processo, melhorando a qualidade dos gastos e cortando desperdícios.
Considerando as dificuldades políticas num período pré eleitoral, uma solução “heterodoxa” convidativa pode ser a adoção de um mecanismo parecido com o Fundo Social de Emergência (FSE), na implantação do Plano Real.
Na ocasião, a rigidez do Orçamento, em razão das destinações compulsórias das receitas do governo, impedia um ajuste fiscal adequado. A solução foi vincular parte das receitas ao FSE. Atualmente, poder-se-ia fazer algo semelhante, destinando uma porcentagem fixa da tributação, por exemplo, 10%, para abater a dívida pública. É uma medida simples, mas com potencial de mudar a dinâmica do endividamento.
Um aperto fiscal na atual conjuntura teria impacto positivo no crescimento do País. O efeito sinalizador seria imediato. Com uma dinâmica da dívida pública mais consistente, é razoável esperar o arrefecimento das taxas de inflação e de juros e a alta das expectativas de crescimento.
Um efeito secundário importante dessa terapia é que, com a melhora da estrutura do endividamento do governo, há uma queda nos prêmios de risco, uma demanda menor de dinheiro “ruim”, usado apenas para rolar os títulos públicos, e simultaneamente um aumento da oferta de dinheiro “bom”, destinado a investimentos produtivos na economia.
Há mais a ser feito, mas um ajuste fiscal agora pode ser o início de uma virada, de algo parecido com o que ocorreu há quase duas décadas.
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