Há momentos em que a vontade é fazer como o Muttley, o vira-lata cínico dos desenhos animados, que cai na risada sempre que seu chefe, Dick Vigarista, quebra a cara ao insistir em seguir por um caminho que, como era evidente, levaria ao fracasso.
O problema é que, diante da gravidade da situação, é necessário conter esse desejo e lamentar que o Senado Federal embarque de forma tão descarada na política do toma lá, dá cá que tem pautado a relação do governo com a chamada “base aliada”.
Uma hora, os “aliados” mostrariam sua verdadeira face e deixariam o governo em situação delicada – daí o desejo de agir como Muttley. Na última quarta-feira, os nobres senadores se rebelaram e recusaram a indicação do nome do engenheiro Bernardo Figueiredo para prosseguir à frente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Na presidência desse órgão regulador, Figueiredo tem sob sua responsabilidade, entre outros projetos, a definição dos termos do contrato para implantação do trem de alta velocidade no país. A intenção da presidente Dilma Rousseff era dar a ele mais três anos de mandato.
Na sessão em que a indicação foi rejeitada, Figueiredo teve sua gestão criticada com veemência sabe por quem? Pelo nobre senador Roberto Requião, o velho peemedebista que deixou atrás de si, em suas passagens pelo governo do Paraná, um rastro de negócios que, com todo respeito, cheiram muito mal.
O placar foi 36 a 31, e os senadores puderam se esconder atrás do anonimato que lhes é conferido pelo voto secreto para expressar seu descontentamento. Chega a parecer piada ouvir Requião criticar quem quer que seja, mas as coisas têm sido assim em Brasília.
É evidente que os outros 35 senadores que votaram contra a permanência de Figueiredo não se deixaram convencer pela peroração do eminente orador. Por trás desse gesto, que pode atrasar ainda mais a aprovação de um projeto tão importante quanto o novo trem, está a mania da “base aliada” de exigir sempre mais.
Nesse jogo, partidos que não têm prestígio nem projetos capazes de lhes garantir acesso ao poder por suas próprias forças se associam ao condomínio que o PT montou para lhe dar sustentação.
Uma vez lá dentro, fazem como aqueles vizinhos inconvenientes que telefonam para o síndico e reclamam do barulho da festa alheia – mas se mostram ofendidos sempre que alguém se queixa da algazarra que eles mesmos aprontam.
A rebelião que vetou a recondução de Figueiredo à ANTT não foi a primeira nem será a última que Dilma enfrentará até o final de seu governo. Está na cara que será assim enquanto o país não se convencer da necessidade de uma reforma política profunda: sempre haverá alguém querendo mais um pouquinho.
Até lá, a turma dos políticos que medem sua fidelidade a um projeto político pelo acesso que têm ao dinheiro do povo fará a festa e mostrará poder.
Se os “aliados” ficarem satisfeitos com o dinheiro que Dilma mandar liberar para que possam “dizer algo a suas bases”, é bem provável que revejam sua posição a respeito de Figueiredo, voltem a considerá-lo probo e competente e, mais dia, menos dia, o reconduzam ao posto para o qual o julgaram inepto na sessão de quarta-feira. Infelizmente, esse é o jogo.
Fonte: Brasil Econômico, 09/03/2012
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