Há muito o que fazer se o Brasil pretende abrir-se. O país ainda possui tarifas de importação demasiado altas
Houve tempo em que a abertura comercial e a integração global eram as palavras de ordem dos países desenvolvidos, sobretudo dos EUA. Com a ascensão de Donald Trump, esse tempo parece demasiado distante. Houve tempo em que abertura comercial e integração global não eram sequer mencionadas como prioridade na agenda brasileira de reformas. Com o ainda recente afastamento de Dilma Rousseff, esse tempo parece demasiado próximo. A verdade é que tanto a inclinação à abertura americana quanto a inclinação brasileira ao isolamento pertencem à história econômica desses dois países. O Brasil, o gigante em seu labirinto, os EUA, a superpotência de braços abertos. A inversão de valores que hoje acomete as duas maiores economias das Américas é notável.
Nos EUA, Donald Trump assina decretos para auditar os déficits comerciais bilaterais com diferentes países, para reforçar a mensagem de seu discurso de campanha: “Compre na América, Contrate na América” (“Buy American, Hire American”). Prometem as autoridades investigar cada um dos 20 acordos de comércio dos EUA para identificar quais aspectos podem ter prejudicado empresas e empregos americanos – das duas dezenas de acordos existentes, apenas dois precedem 2004: o Nafta assinado em 1994 e o acordo bilateral com Israel, de 1985. Ou seja, houve enorme expansão de acordos comerciais dos EUA com o resto do mundo desde meados dos anos 2000 – vários desses acordos são com países latino americanos, incluindo todos os países que pertencem à Aliança do Pacífico (México, Chile, Peru e Colômbia). Evidentemente, os decretos anunciados e assinados nas últimas duas semanas têm a intenção tácita de reverter o processo de abertura que tantos benefícios trouxe aos EUA, apesar dos inevitáveis percalços.
EUA: O novo emergente?
Monica de Bolle: Atacar a China pelo déficit dos Estados Unidos é dar um tiro no pé
Em 2015, Brasil cai seis posições em ranking de competitividade internacional
Enquanto os EUA se fecham para o mundo, recusando-se a incluir no comunicado do G-20 advertências sobre os danos causados pelo protecionismo, o Brasil tenta orquestrar protagonismo anacrônico ao seu histórico isolacionista. Aqui nas reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial, autoridades brasileiras falam com desenvoltura sobre a necessidade de abrir a economia, de deixar para trás o protecionismo excessivo que pouco progresso gerou. Capítulo da última edição do World Economic Outlook – o relatório sobre as perspectivas econômicas globais do FMI – mostra claramente que países emergentes que adotaram posturas abertas ao comércio e à integração conseguiram ter maiores ganhos de produtividade do que aqueles que permaneceram relativamente mais fechados. É notável, por exemplo, que o Peru, país extremamente dependente da exportação de cobre e de outros metais, tenha conseguido manter-se acima da linha d’água quando os preços internacionais desses produtos sofreram queda súbita há poucos anos. O Peru possui diversos acordos de livre comércio mundo afora. Apesar de sua economia pouco diversificada, tal integração permitiu que atravessasse bem a queda das commodities e que hoje tenha perspectivas de crescimento muito superiores às do Brasil.
Há muito o que fazer se o Brasil pretende abrir-se. Primeiramente, o País ainda possui tarifas de importação demasiado altas – entre o início dos anos 90 e 2015, a tarifa média sobre produtos importados no Brasil caiu de 18,9% para 13,9%, enquanto no Peru a tarifa média foi de 16,2% para apenas 2,9%. Em segundo lugar, o Brasil possui diversos tipos de barreiras não tarifárias, das restritivas regras de conteúdo local às complexidades aduaneiras, da profusão de regras sanitárias ao uso desenfreado de medidas antidumping. Por fim, há que mudar a mentalidade não apenas de partes do governo brasileiro que ainda preservam suas raízes protecionistas, como também do setor privado. Entre os grandes países emergentes, o Brasil destaca-se por possuir poucas grandes empresas exportadoras, um contraste com o que se observa na China e na Índia. Parte do motivo é a conhecida atitude do empresariado local de acreditar que o mercado brasileiro é suficiente, que deve ser reservado para as empresas do País, que há riscos em abri-lo à competição externa. Diante das dificuldades que hoje atravessamos, urge promover a inversão de valores norte-sul que intitula esse artigo.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 19/04/2017
No Comment! Be the first one.