Na última quinta-feira, o presidente Michel Temer sancionou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 25/2007, conhecido como Crescer sem Medo. Uma das mudanças trazidas pelo projeto foi a regulamentação do papel do investidor-anjo em uma startup.
A partir de agora, a lei determina que esse tipo de investidor, que injeta a partir de R$ 50 mil em startups, não será considerado sócio das empresas que apoiar e não será responsável por nenhuma dívida da empresa em caso de falência.
Além da regulamentação dos investidores-anjo, o Crescer sem Medo elevou o limite de faturamento anual de microempreendedores individuais (MEIs) de R$ 60 mil para R$ 81 mil e criou uma “rampa tributária” para as empresas do Simples. O prazo máximo de pagamento de dívidas também foi ampliado, de 60 para 120 meses.
De acordo com Cássio Spina, presidente da Anjos do Brasil, organização de incentivo ao investimento-anjo e ao setor de startups, as mudanças são benéficas não só para os investidores, mas para o ecossistema empreendedor brasileiro como um todo. “O medo de ser considerado um sócio das startups e responsável pela falência deixava os investidores com receio de realizar aportes. Agora essa barreira foi eliminada. É uma segurança jurídica”, afirma.
Em entrevista a “Pequenas empresas e grandes negócios”, Spina explicou detalhadamente as mudanças da lei, seus impactos e quais são as expectativas para o futuro do setor de startups.
Como era a figura do investidor-anjo antes dessa mudança?
O investidor poderia ser considerado como sócio de uma empresa de acordo com a Justiça. Isso ocorre porque, ao realizar um aporte, o investidor se torna dono de um porcentual da startup.
Apesar de ter uma parte do negócio, no entanto, ele não era responsável pela administração da startup. Não era um sócio do dia a dia. Mas em caso de falência, as instâncias judiciais, sobretudo a trabalhista, não levavam esse fato em consideração. Os juízes confiscavam os bens tanto dos anjos quanto dos investidores.
Outro sintoma era a transformação da startup em uma Sociedade Anônima (S/A) [modalidade de negócio em que a empresa é dividida em ações por um número determinado de pessoas]. Neste caso, o investidor vira um acionista e não pode ser considerado um sócio. O problema é que as S/A não estão enquadradas no Simples. Por isso, as startups que optavam por esse caminho tinham que pagar mais impostos.
Essa situação fazia com que os investidores deixassem de apoiar as startups brasileiras?
Sim, porque a situação assustava muito. Já há o risco de investirmos em um negócio que pode fracassar. Ao saber que o prejuízo poderia ser maior por causa de dívidas em encargos trabalhistas, muita gente deixava de investir aqui e buscava outros mercados.
E agora, com a mudança, os investidores vão aparecer?
O Crescer sem Medo determina que os investidores-anjo não podem ser considerados sócios da empresa. Só vamos perder o dinheiro que investimos em uma empresa que quebrou.
Ganhamos a proteção da lei. Isso não é bom apenas para nós. É bom para os empreendedores também, pois eles terão mais oportunidades de conseguir viabilizar suas ideias e mais investidores poderão fazer aportes.
Além disso, as startups não precisam se transformar em uma S/A para preservar o investidor. Elas podem continuar no Simples e quem realizar aportes não terá o risco de ter seus bens confiscados.
Há a possibilidade de que essa proteção torne a análise dos investidores menos assertiva?
Acredito que não. As análises dos negócios vão continuar criteriosas. O que muda é que as pessoas, que tinham medo de arcarem com os custos de uma eventual quebra da startup, passarão a investir.
Essas regras se aplicam somente a investidores-anjo?
Infelizmente, sim. Os investidores de outras modalidades de investimento ainda estão vulneráveis ao entendimento da Justiça de que são corresponsáveis pela gestão dos negócios que apoiaram.
Sem dúvida nenhuma, entendemos que as mudanças trazidas pelo Crescer sem Medo deveriam ser estendidas a todo o mercado de capital de risco. Investidores, independente de quanto investem, não cuidam das empresas e não podem ser responsáveis pelo seu fracasso.
Ainda há alguma coisa a aperfeiçoar na regulamentação dos anjos?
Sim. O Crescer sem Medo retira uma barreira para os investidores-anjo. Mas ainda não há um estímulo. Para nós, incentivos fiscais levariam a um número maior de aportes. As isenções já existem para quem investe em pequenas empresas listadas na bolsa de valores e na venda de imóveis, por exemplo.
Queremos a mesma coisa, até porque investidores contribuem indiretamente para a arrecadação de impostos pelo governo, por meio da contratação de pessoal e da compra de máquinas e equipamentos.
Esse tipo de regulamentação não precisa passar pelo Congresso ou pelo Senado, como ocorreu com o Crescer sem Medo. Na verdade, a decisão é do Poder Executivo, mais exatamente do Ministério da Fazenda. Vamos trabalhar por isso.
Como você vê o futuro do mercado brasileiro de startups?
Acreditamos que o mercado se fortalecerá com as mudanças trazidas pelo Crescer sem Medo, que permitirá que nós apoiemos a inovação, que é essencial para o sucesso das startups. Para nós, o crescimento do ecossistema não depende das condições macroeconômicas do país. O que é inovador e disruptivo prospera em situações boas e ruins.
Quais setores trazem mais oportunidades para investidores e empreendedores das startups neste momento?
Hoje, fala-se muito nas oportunidades trazidas pelo segmento da tecnologia da informação. Agronegócio, educação e saúde são mercados que podem crescer muito também.
Apesar disso, o ideal é que os investidores montem uma carteira de investimentos de setores diferentes. De preferência, adicionando duas ou três startups ao portfólio todo ano. É melhor não arriscar tudo em um mercado só, até porque o investidor não vai acertar em todo investimento que fizer. Essa diversificação minimiza os riscos.
Fonte: “Pequenas empresas e grandes negócios”, 31 de outubro de 2016.
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