Passados mais de 100 dias desde o início do período de isolamento social no Brasil, é difícil destacar um setor da economia que possa dizer que esteja bem. Mas há aqueles que são capazes de vislumbrar uma luz no fim do túnel – caso dos investimentos em startups. Depois de um tropeço em março, com o mercado sentindo bastante insegurança em novos aportes e uma queda de 85% nos valores de cheques na comparação com o ano anterior, o ecossistema dá mostras de que pode seguir em frente.
Segundo estatísticas da empresa de inovação Distrito, os investimentos realizados no Brasil entre janeiro e maio são até superiores aos de temporadas anteriores: foram aportados em startups daqui US$ 516 milhões, em 116 rodadas diferentes. No ano passado, tinham sido 113 cheques, num valor total de US$ 431 milhões.
É válido salutar que talvez não haja fôlego para que o primeiro semestre de 2020 supere o do ano passado – em junho de 2019, rodadas milionárias que totalizaram US$ 681 milhões foram realizadas em empresas como Gympass, Loggi e Creditas, a partir dos aportes polpudos feitos pelo grupo japonês SoftBank. Na visão do mercado, porém, a sensação que se tem é que o ano passado foi que fugiu fora da curva – e não este.
Considerados os números entre janeiro e maio, porém, é possível dizer que, apesar da situação complicada em que o País se encontra em diversos ramos, oportunidades seguem surgindo para as empresas de base tecnológica.
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E, na visão de investidores ouvidos pelo Estadão, elas são diversificadas: estão em áreas como saúde e educação à distância, mas também no e-commerce, no agronegócio, no varejo e até em tecnologias para o governo. Abaixo, confira as perspectivas e apostas de seis investidores – Romero Rodrigues (Redpoint eventures), Mate Pencz (Canary), Renato Ramalho (KPTL), Scott Sobel (Valor Capital), Flávio Dias (500 Startups) e Renato Mendes (Organica) – para os próximos meses.
‘Há demanda em áreas de infraestrutura’, diz Flávio Dias, 500 Startups
Tem setores que claramente foram catalisados pela pandemia, como a área de biotecnologia e de saúde, a tecnologia remota, como apps de produtividade e e-commerce. São áreas que vão se aproveitar da mudança de comportamento das pessoas, estão numa crescente que não retornará mais ao patamar pré-quarentena. Mas essas áreas trazem um desdobramento muito interessante em outros setores, na infraestrutura: isso vale tanto para soluções de logística e de entrega, que usam tecnologia para serem mais eficientes, quanto a infraestrutura da própria tecnologia, como nuvem e cibersegurança. Afinal, não basta só colocar um site no ar e sair vendendo: é preciso fazer o produto chegar, com uma boa experiência de cliente e cuidando bem dos seus dados.
‘O e-commerce vai voltar a ser sexy’, diz Romero Rodrigues, sócio da Redpoint eventures
Acredito que a grande novidade é que o e-commerce vai voltar a ser sexy. É uma área que eu gosto bastante, até pela minha história. Foi um setor que teve um primeiro ciclo forte na primeira era da internet, as grandes histórias daquela época estavam relacionadas a isso, como a Buscapé e a Netshoes. E aí o e-commerce não estava tão atraente nos últimos anos, mas agora vai voltar em uma série de áreas, especialmente em soluções para marketplaces, como a Olist tem feito. E acho que há espaço para crescimento em novos setores no e-commerce, como a área de casa e decoração – que demanda um investimento maior. Não dá para entregar dois caminhões de piso usando os correios, tem que ter infraestrutura, mas agora há mais maturidade para isso. E tem alguns setores que nós já estávamos olhando e continuam atraentes. Saúde e bem estar são dois deles, fizemos investimentos em empresas como Vittude (terapia online) e Sami. Na pandemia, também investimos em mobilidade, na Tembici, que é uma empresa bacana. E temos visto muita coisa bacana na área de economia circular, em área de reciclagem. Acho também que as pessoas vão cobrar mais impacto positivo pelo que recebe investimentos, o que ajuda áreas como reciclagem e mobilidade
‘Fintechs terão ainda mais inovação’, diz Scott Sobel, sócio do fundo Valor Capital Group
Hoje, estamos de olho em oportunidades de eficiência e produtividade em diferentes setores da economia, mas especialmente em verticais focadas no consumo da classe média. Acredito que a pandemia vai reforçar a transformação digital em todas as indústrias, com muitas oportunidades para quem quiser fazer a tradução do “físico para o digital”, em varejo e e-commerce. Saúde tem ido bem, fizemos alguns investimentos nessa área. Mobilidade também. Outro destaque são as as fintechs, que chamaram a atenção nos últimos anos e terão ainda mais inovação. Será um movimento de inovação contínua, puxado pelo que o Banco Central tem promovido na regulação, em áreas como o open banking e os pagamentos instantâneos.
‘Período trouxe novas dores do consumidor’, diz Renato Mendes, professor do Insper e fundador da aceleradora Organica
A pandemia é uma oportunidade enorme de negócios porque surgiram novas dores para os consumidores, ninguém as resolveu ainda. Algumas respostas já estão óbvias, como telemedicina, ensino à distância e soluções para trabalho remoto. Mas outras ainda são difíceis de precisar, porque passa por entender mudanças de comportamento. Muita gente perdeu o medo de fazer coisas online, comprar, tem muita oportunidade aí – até porque é um medo que se perdeu e não volta mais. Vejo com bons olhos quem apostar em novidades em alimentos e bebidas, ou no setor de limpeza. Por outro lado, também há setores que vão ter problemas justamente por conta do medo – em especial, aqueles que envolvem contato físico, especialmente, como turismo e restaurantes.
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‘Agro e govtechs são atraentes’, diz Renato Ramalho, presidente do fundo KPTL
O agronegócio tem sido, consistentemente nas últimas décadas, se provado como um setor com DNA brasileiro. Acho que há muito espaço para tecnologia nessa área. Todas as nossas empresas do portfólio desse setor estão indo muito bem, mesmo com toda a crise e a dificuldade logística. O choque de curto prazo (por conta da pandemia) não mudou a tese de investimentos e estratégia que a gente já tinha. Outro setor que tem bastante oportunidade é o de govtechs, startups que prestam serviço para o governo. Vimos agora que há muito espaço, muita demanda na digitalização para qualquer ponto de contato do governo com a população. Além disso, as empresas de saúde também tem passado por um momento interessante.
‘Área ambiental e agro tem potencial’, diz Mate Pencz, CEO da Loft e fundador do Canary
Não vejo uma divisão tão grande por setores, mas vejo que algumas coisas terão uma importância maior na pandemia. Fico feliz de ver que há uma quantidade relevante de empreendedores indo atrás de oportunidades de usar tecnologia no agronegócio e também na luta contra mudanças climáticas, na discussão de créditos de carbono, por exemplo. Acho que o Brasil é um ótimo espaço de testes para isso, até por conta do patrimônio natural como a Amazônia. Nós não tínhamos quase nenhuma empresa de agro no portfólio, agora estamos estudando várias. Mas o resto também vai continuar em alta: fintechs seguem acelerando, setor imobiliário também, eram tendências que já estavam acontecendo.
Fonte: “Estadão”