O Brasil já foi “queridinho” da mídia até 2010 (época em que “decolava” na capa da revista “The Economist” – 2009); depois teve seu crescimento dos anos 2000 classificado como um “vôo de galinha”, e “afundou” na capa da mesma revista “The Economis” – 2013. Ainda na mesma revista “The Economist”, em 2016, o Brasil apareceu pedindo socorro. Mas afinal, o que se passa com o Brasil?
Durante os anos 2000, com a alta das commodities, e apos um período de estabilidade econômica, na segunda metade dos anos 1990, e o bom momento internacional, o Brasil, como se diz, “surfou” uma onda internacional positiva e favorável; e se recuperou razoavelmente bem apos a crise internacional de 2008. No entanto, nos anos 2010, a “maré virou”, e o Brasil sofreu.
Seguiu-se, portanto, um período de baixo crescimento econômico (com uma recessão profunda no período 2014-2016, talvez a maior da história brasileira), uma redução significativa das taxas de investimento e aumento da dívida, um período de alta da inflação e dos juros, de desemprego crescente, e de crescentes déficits primário e comercial, que veio a culminar com o impeachment da Presidente em exercício, Dilma Rousseff.
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Enfim, o vice-Presidente, Michel Temer, assumiu o governo (em maio de 2016). Seguiu-se, então, um redirecionamento do governo e de suas políticas. Novas alianças foram feitas, com partidos antes na oposição, um novo ministério foi montado, novas medidas foram tomadas e o pais voltou a mudar de direção.
O período de recessão chegou ao fim, e o pais voltou a crescer, pouco, mas de forma consistente, a inflação caiu e voltou a ficar sob controle e dentro da meta, e os juros caíram para patamares históricos. Apesar disto, ainda apresenta baixa taxa de investimento (a poupança é baixa), um alto déficit primário (mas agora com superávit comercial), e o desemprego ainda não cedeu. Para piorar, enfrenta em 2018 um processo eleitoral até o momento extremamente fragmentado, e com uma população dividida entre dois candidatos populistas – um de esquerda, outro de direita -, aumentando a incerteza sobre as eleições e o futuro (político) do pais.
Afinal, em que direção o país vai avançar?
As incertezas, dado o atual momento político, e econômico, ainda são muitas. Mas uma questão que parece consenso é que, para crescer, de forma consistente, e mais do que atualmente está crescendo, o Brasil precisa aumentar os investimentos; e, para isto, dada a baixa taxa de poupança, precisa ser capaz de atrair investimento externo direto (IED). Portanto, como está o Brasil, do ponto de vista competitivo, para atrair capital externo para investimentos? Ou boa parcela dos recursos destinados a investimentos diretos no que chamamos de mercados emergentes (na Ásia, América Latina, África, países da antiga Europa do Leste, e Oriente Médio)?
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Enfim, do ponto de vista dos investidores, onde investir? Vamos ao mundo:
Na América Latina, não há grandes mercados, à exceção de México e Colômbia (+100 e +60 milhões de habitantes, respectivamente). No entanto, ambos possuem grandes problemas sociais. A Colômbia, além do narcotráfico, ainda convive com conflitos constantes, mesmo apos o acordo com as FARC – outros grupos armados têm preenchido o vácuo deixado pelo desmembramento das FARC. E o México, além de questões sociais (como desigualdade e imigração), enfrenta também o narcotráfico – o México é entreposto de cocaína para os EUA, maior mercado consumidor do mundo.
Ainda nas Américas, cita-se Peru, Chile e Costa Rica, bem como Panamá. Chile é um pais, sim, estável, mas com 15 milhões de habitantes. O mesmo sendo o caso de Costa Rica (que tem se destacado pelo turismo e por políticas ambientais responsáveis) e Panamá (que recentemente inaugurou a ampliação do Canal do Panamá), com pequenas populações. O Peru, assim como a Colômbia, possui uma questão social grave, não só pela produção e exportação de cocaína, mas também pelas “disputas” sociais entre a população “branca” e a população (majoritária) de origem indígena.
Nas Américas (Brasil incluso), vejo como questão fundamental as drogas, e a segurança, em parte relacionada à primeira. A cocaína é produzida em três países da America do Sul – Peru, Colômbia e Bolívia; e a produção não será combatida em hipótese alguma. Como já se viu no passado, pode haver transferência temporária de produção de um país a outro (note-se, por exemplo, que o maior produtor atual é o Peru, e não mais a Colômbia, que no início dos anos 1990 chegou a produzir 80% da cocaína do mundo). Enfim, enquanto houver demanda, haverá oferta. E demanda há, principalmente nos EUA e na Europa; assim, a demanda será suprida. Tradicionalmente, a rota para os EUA era via México; com um maior controle no México, novas rotas foram desenvolvidas (e.g. República Dominicana, Guatemala, Honduras e até Cuba); e a rota tradicional para a Europa é via Brasil e África. Esta é uma das maiores razões para o aumento da violência nestes países da America Latina, inclusive no Brasil.
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A Europa ainda enfrenta resquícios da última crise econômica, principalmente em países como os PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) e Itália, e justamente nos países do antigo Leste Europeu. Enfrenta, ainda, a crise de imigração (refugiados), uma crise geopolítica com Rússia e (de certa forma) Turquia, e, pior, uma crise de identidade (com Brexit e o crescimento de movimentos populistas anti-UE, como AfD na Alemanha e Le Pen na França, e outros, na Áustria, Polônia, Itália, Hungria, entre outros países). Para piorar, a conhecida parceria Trans-Atlântica com os EUA vem sendo abalada, com as recentes barreiras comerciais impostas à UE pelos EUA, a saída dos EUA do Acordo de Paris, e do acordo nuclear com o Irã.
Rússia e Turquia, em particular, antes considerados mercados atrativos para investimentos até pouco tempo atrás, hoje já não se apresentam mais tão atrativos. A Turquia, que já foi um dos mercados mais atrativos para investimento do mundo (vide o aeroporto de Istambul, Turkish Airlines, etc.), hoje tem um governo cada vez mais centralizador (caminhando para o autoritário) e repressor (Turquia é o pais com o maior numero de jornalistas presos do mundo), alem de ainda enfrentar conflitos com sua população curda. E a Rússia, que acaba de eleger Putin para mais um mandato (ao fim deste terá governado a Rússia por praticamente 24 anos), tem “trocado farpas” com os governos dos EUA e da Europa, está sob sanções ainda em consequência da tomada da Criméia, e no conflito do Oriente Médio, tem se mostrado contraria aos movimentos dos EUA e Europa, se aproximando de aliados opostos àqueles, como Síria, Iran, etc..
Na Oceania, Nova Zelândia e Austrália são, não só pequenos mercados, mas também isolados geograficamente.
A África também tem alguns países em destaque, como Nigéria e África do Sul, e, mais recentemente, outros, como Angola e Moçambique. Mas são todos países com pequenas populações, e, portanto, pequenos mercados. E muitos também com problemas internos graves – atividades terroristas, em países do Norte como Líbia, Egito, Somália e Quênia, guerra civil, problemas humanitários, entre outros.
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Alem disto, a África apresenta ainda uma questão um pouco mais complexa. O continente ainda mantém certas características “tribais”, no sentido cultural do termo. Quando os colonizadores europeus “dividiram” as nações / tribos africanas através de demarcações territoriais (basta ver o mapa para se constatar este fato), acabaram não apenas separando pessoas da mesma “tribo” em países diferentes, mas acabaram também por colocar pessoas de diferentes “tribos” dentro do mesmo território. Ou seja, é a “crônica de uma morte anunciada”; e, enquanto isto não for resolvido, não vejo o fim de determinados conflitos étnicos e culturais que vemos ocorrer constantemente no continente (e.g. República Central Africana, Ruanda, Sudão e Sudão do Sul, Somália, Nigéria, Quênia, etc.). Não apenas isto, em alguns casos, etnias de minoria governam uma maioria de etnia distinta, ou seja, a maioria da população não se vê representada pelo governo.
Na Ásia, se destacam, principalmente, países como China, Índia, Indonésia, Filipinas, Malásia, Vietnã, Coréia do Sul e Singapura. Novamente, nestes casos, temos alguns fatores a considerar: a Índia é um pais extremamente segmentado, não só em castas, mas em regiões, tem baixa renda per capita, uma enorme desigualdade, violações aos direitos humanos, conflitos internos (e.g. Caxemira), etc.. A China tem um governo autoritário, e não muito confiável – briga e se alia a todos -, tem um sistema judiciário questionável, etc.. Indonésia e Malásia também enfrentam problemas sociais e econômicos, além de, mais recentemente, políticos. Vietnã vive um momento positivo – muitos investimentos, principalmente da China, tem sido feitos no pais -, Coréia do Sul é um país com mercado limitado e mão-de-obra cara, e Singapura, alem de caro, é uma cidade-estado, pequena.
O Brasil, portanto, olhando deste ponto de vista, destaca-se, sim. A economia está razoavelmente estável (moeda e juros), tem um bom mercado consumidor (200 milhões de pessoas), com hábito de consumo (como os americanos), um território amplo (e em grande parte ainda subaproveitado – principalmente em se considerando seu potencial agrícola), e uma indústria, embora abalada, diversificada; alem de dominar tecnologias consideradas de ponta em setores tão diversos como agricultura, pecuária, alimentos, biotecnologia, energia, mineração e aviação, entre outros.
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O Brasil é, por exemplo, grande exportador de commodities, o que em si apresenta grande potencial para investimentos em indústrias secundárias, que agreguem valor aos produtos antes de serem exportados (e.g. café, que é exportado em grãos, em grande parte para a Alemanha, que o processa e exporta, sendo o segundo exportador mundial sem pés de café plantados). Gado, trigo, soja e outros grãos, e minérios, são outros exemplos de cadeias de valor que podem ser melhor aproveitadas/exploradas no Brasil.
Como consumidor, o Brasil também apresenta enorme potencial para indústrias de consumo, como automotiva (já razoavelmente desenvolvida no pais), linha branca, alto luxo, etc.. Ou ainda, em serviços: turismo, por exemplo, está longe de ser adequadamente explorado (apenas o Museu do Louvre, em Paris, recebe mais visitantes ao ano que o Brasil inteiro, algo em torno de 6,5 milhões, e o Japão, uma ilha relativamente pequena e isolada, recebe mais de 20 milhões de turistas por ano).
Portanto, acredito ser o Brasil, sim, e ainda, atrativo para IEDs (como tem se mostrado nos últimos anos e décadas); e, com mais investimentos, um maior e constante crescimento econômico, e conseqüente melhoria da renda (o Brasil ainda é um pais de renda media), podendo se tornar ainda mais atrativo, gerando uma espécie de “ciranda” entre investimentos e crescimento, desde que o governo não atrapalhe.
Neste processo, aliás, seria fundamental o governo do Brasil realizar algumas reformas consideradas fundamentais, dentre as quais destaco:
Reforma Tributária: revisão de impostos (municipais, estaduais e federais), e eventualmente substituição da maioria dos impostos por um imposto sobre o valor agregado (IVA), como proposto por diversos especialistas tributários; fim da dupla tributação e redução de impostos de importação e exportação, para impulsionar as indústrias exportadoras, mas também as indústrias conectadas à cadeias globais;
Reforma da Previdência: revisão de aposentadorias, pensões e idade mínima. Esta já vem sendo discutida desde o governo FHC, mas ainda não foi realizada/aprovada. Necessário retomar a discussão e aprovar a reforma, ainda que não definitiva, ou podemos ter um colapso em breve do sistema da Previdência;
Reforma Política: eventual substituição do modelo eleitoral brasileiro por um modelo distrital, ou distrital misto, como já vem sendo discutido, também, há tempos; cláusula de barreira também é fundamental, para se tentar diminuir a fragmentação política do pais – o Brasil tem hoje em torno de 35 partidos com representação no Congresso, uns tantos outros sem representação e outros ainda em processo de criação -, fazendo com que nenhum partido consiga maioria significativa no Congresso – os maiores, prevê-se, talvez não tenham mais que 10-20% de representação após as eleições de 2018;
Reforma do Estado (administração pública e governo): redução de cargos públicos (concursados e comissionados), uma revisão da atuação do Estado nas esferas pública e privada (principalmente, com redução da atuação do Estado em setores que podem ser privados – privatizações e desestatizações), uma descentralização do Estado Federal, com transferência de poderes para as esferas Estadual e Municipal. Esta reforma englobaria, ainda, uma redução do intervencionismo do Estado na economia, uma desburocratização do Estado, limitando o Estado, por exemplo, à legislação e à regulamentação (através de instituições eficientes), e grandes serviços sociais, como saúde, educação, previdência e assistência social, segurança, entre outros serviços fundamentais. Fundamental neste processo redefinir os papéis de cada um dos setores na economia: Estado (primeiro setor), Mercado (segundo setor) e Sociedade Civil (terceiro setor).
Fonte: “Blog Rodrigo R. Coutinho”, 28/05/2018