*com Sandro Cabral
O primeiro ato oficial do novo governo provisório foi uma medida instituindo um órgão para tratar diretamente do investimento privado em infraestrutura por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPPs). Em meio ao atual cenário de estagnação, a medida sinaliza fortemente aos agentes econômicos a orientação dos atuais mandatários, ao apostar as fichas no setor privado para fazer frente à queda dos investimentos. Contudo, apesar do simbolismo da medida, outras iniciativas similares patrocinadas pelo governo federal nos últimos anos fracassaram. O que garantirá que a ação proposta atinja os resultados esperados?
Em primeiro lugar, um programa massivo de investimento privado em serviços públicos requer do lado do governo a existência de corpo técnico altamente qualificado para comandar os estudos de viabilidade e garantir maior estabilidade das regras do jogo. Infelizmente, ao longo dos últimos anos, observamos um desmonte das competências públicas nessa área. Por um lado, os governos embarcaram em ações voluntaristas tentando tabelar a rentabilidade das concessões privadas, ao mesmo tempo usando capital público para artificialmente compensar pelo maior risco percebido pelos investidores. Por outro lado, alguns órgãos governamentais passaram à condição de meros viabilizadores de projetos de interesse de grupos empresariais do setor de infraestrutura. É preciso que tenhamos gestores públicos que efetivamente conheçam sobre estruturação de grandes projetos e atuem de forma mais ativa propondo novas ideias ou se valendo de experiências desenvolvidas em outras localidades.
Em segundo lugar, diante da impossibilidade de maior endividamento público, a alternativa é a concepção de estruturas de financiamento capazes de aumentar a participação de capital privado. Ao contrário do que se fez até agora, é possível e desejável fazer uso de mecanismos de project finance em que as garantias do empréstimo advêm do próprio fluxo de receitas do projeto. Mas há riscos inerentes a esses projetos que não podem ser controlados pelo agente privado. No caso de projetos de longo prazo de maturação ou de grande risco, o poder público pode ocupar um papel de destaque por meio da articulação de uma central de fundos garantidores capazes de diluir o risco e garantir a viabilização das diversas iniciativas complementares. Por exemplo, uma ferrovia com fluxo mais incerto de carga poderia ser viabilizada se fosse estruturada em conjunto com outro projeto com fluxo mais cativo e estável. Nesse processo, será possível também buscar sinergias entre os diversos programas nas esferas federativas de maneira a potencializar o compartilhamento de práticas de sucesso (ou de fracasso) já vivenciadas.
Por fim, a eficácia do programa depende fortemente da previsibilidade do ambiente regulatório. O adágio “pacta sunt servanda” (“acordos precisam ser cumpridos”) precisa ser perseguido não só por meio de intenções, mas, sobretudo, por meio de gestos concretos que assegurem o comprometimento do governo em relação ao cumprimento das regras do jogo. Agências reguladoras tecnicamente capazes e independentes, aliadas a órgãos de controle que defendam o interesse público, são fatores essenciais. Há, atualmente, dois projetos de lei para aprimorar as agências reguladoras tramitando no Legislativo. Esses projetos deveriam, agora, receber total prioridade.
Qualquer que seja o governo, esperamos que os quadros técnicos mobilizados possuam a capacidade para fazer o que precisa ser feito. Porém, competência técnica por si só não basta.O grande desafio está na esfera política. Evitar a contaminação das ações com motivações políticas de curto prazo ou com pressões clientelistas de grupos empresariais é essencial para impulsionar novos investimentos que aumentem o volume de capital privado de forma alinhada ao melhor interesse da sociedade.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 28 de maio de 2016.
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