Os dilemas no setor de infraestrutura vão além da devolução da concessão do aeroporto de Campinas, um dos maiores do país, por parte da iniciativa privada. Segmentos como os de gás, telecomunicações, rodovias e ferrovias aguardam mudanças em seus marcos regulatórios, em meio à paralisia provocada pela crise política. Com isso, investimentos de pelo menos R$ 102 bilhões estão empacados há quase um ano, de acordo com levantamento feito pelo GLOBO.
Esses investimentos podem nem sair do papel, alertam especialistas, caso a crise política continue a tomar conta do Congresso, atrasando a publicação de medidas provisórias e projetos de lei com as novas regras. Em alguns casos, como as rodovias, já há até uma ameaça de devolução das concessões. No setor de gás, por exemplo, os leilões, que começam em setembro, ainda não contam com o novo marco regulatório.
Do outro lado, fontes no próprio governo classificam como otimista a possibilidade de mudança nas regras ainda neste ano em grande parte dos setores, mesmo com a rejeição da denúncia pela Câmara contra o presidente Michel Temer, impedindo a investigação por corrupção passiva no Supremo Tribunal Federal (STF).
— É imperativo atrair investimento privado, já que não haverá grande volume de recursos do governo ou das estatais, como Petrobras e Eletrobras. Como são investimentos complexos de longa duração, tem que haver previsibilidade regulatória. As mudanças estão na direção certa, mas demoram muito porque a fragilidade política absorve muita energia — disse Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria.
O setor de gás, concentrado nas mãos da Petrobras, tende a receber investimentos privados de cerca de R$ 14 bilhões até 2030, caso as mudanças do programa Gás Para Crescer, conduzido pelo Ministério de Minas e Energia, consigam ser aprovadas pelo Congresso. A meta é que no próximo dia 15 as regras para permitir o acesso das empresas privadas a gasodutos, estações de regaseificação e terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL) sejam reunidas em um projeto de lei a ser enviado à Casa Civil.
— Com essas mudanças, a gente já considera investimentos até 2030 de R$ 14 bilhões em gasodutos, terminais de GNL e plantas de processamento de gás. A mudança regulatória vai permitir isso. A gente vai ver se consegue colocar esse projeto de lei em regime de urgência. E talvez consiga tramitar ao longo desse segundo semestre, mas é uma visão bastante otimista — afirmou Márcio Felix, secretário de Petróleo do Ministério de Minas e Energia.
Regras para renovação de concessões
Os investimentos podem ser ainda maiores. Se levar em conta a construção de gasodutos pela iniciativa privada para campos como Carcará, Pão de Açúcar e Gávea, todos no pré-sal da Bacia de Santos, que estão em fase de exploração, os recursos podem somar R$ 50 bilhões.
— Novos atores estão chegando no Brasil. Esperamos que haja mais competição, com mercado maior e mais dinâmico — pontuou Felix.
Segundo o advogado Giovani Loss, sócio do escritório Mattos Filho, muitas das mudanças foram iniciadas antes do aprofundamento da crise política. A lógica, diz ele, é que as mudanças venham para melhorar o ambiente de negócios:
— O objetivo das novas regras é fazer com que o mercado privado tenha garantias para atuar num segmento que só tem a Petrobras.
No setor de telecomunicações a mudança na regulamentação poderia destravar investimentos de cerca de R$ 15 bilhões em um período de cinco anos, destaca uma fonte do mercado. Porém, a proposta de projeto de lei (PL) que permite a migração das concessões de telefonia fixa para autorizações, enviada para o Senado em 2016, ainda aguarda uma decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF).
— Essa indefinição está se arrastando durante todo este ano. Há uma promessa de o assunto avançar a partir deste mês de agosto, com um entendimento entre o STF e o Senado sobre o tema. Enquanto isso, o setor está paralisado — disse uma fonte do setor.
Segundo advogados e especialistas, o aumento do investimento em telecomunicações, com a aprovação do PL, virá, entre outras coisas, dos chamados bens reversíveis, como prédios e terrenos que pertencem à União e serão repassados às teles em troca da ampliação da banda larga no país.
— Embora positivo, o projeto de lei vai mudar de forma radical o setor. Ao transformar a concessão em autorização, o perfil do investimento muda, com foco em internet — destacou Sérgio Guerra, professor da FGV Direito Rio, .
Rafael Pistono, especialista em direito regulatório do Vinhas e Redenschi Advogados, destaca que a falta de mudança na regulamentação atrapalha o cronograma de investimentos, que poderiam ser muito maiores que os atuais. Hoje, em média, o setor investe ao ano cerca de R$ 25 bilhões, número que, segundo fontes, poderia chegar a R$ 33 bilhões.
— As mudanças na lei são afetadas pela instabilidade política. Está parado por causa da agenda política — disse Pistono.
O setor de transporte também atravessa momento de mudanças. Entre as ferrovias, a alteração na regulamentação, com a publicação de uma lei (a antiga MP das concessões), que permite antecipar a renovação anos antes do término do contrato, vai destravar investimentos de R$ 25 bilhões, segundo a Associação Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF). As concessões poderão ter validade de até 30 anos. Mas a lei ainda precisa ser regulamentada.
Em nota, a ANTF disse que “as novas regras conferem maior segurança jurídica ao setor”. Segundo a associação, as prorrogações antecipadas dos contratos poderão gerar mais de 40 mil empregos, entre diretos e indiretos.
Com a mudança, a Rumo, diz Guilherme Penin, diretor Institucional da empresa, prevê investimentos de R$ 5 bilhões até 2023, como na ampliação da capacidade dos trens da linha que liga Mato Grosso do Sul e São Paulo:
— Se não houvesse mudança na lei, não seria possível fazer um investimento sem a garantia de que a concessão será renovada.
Mas a lei que está dando uma dose de otimismo ao setor ferroviário não atendeu às empresas de transporte rodoviário, que não tiveram a possibilidade de renovar seus contratos antecipadamente. Por isso, o setor defende uma outra medida provisória, para permitir a ampliação do prazo de concessão dos atuais cinco anos para algo em torno de dez a 14 anos. Essa medida tende a destravar R$ 12 bilhões em investimentos que hoje estão paralisados.
Segundo César Borges, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), a nova medida é essencial para destravar obras que hoje estão paradas, como a BR-163, em Mato Grosso, a BR-040, que liga Brasília e Juiz de Fora, entre outras:
— O projeto de MP está bastante avançado. Mas tem que ter vontade política. Não se pode demorar até o fim do ano. Isso tem que sair até o fim deste mês. Os investimentos pararam. São mais de cinco mil quilômetros. Só com essa MP é possível salvar os investimentos. Caso essa MP demore, as concessões podem ser devolvidas, como ocorreu com Viracopos.
Novo marco para o setor elétrico
O setor elétrico se prepara para novas regras, cinco anos após a criação da MP 579, que baixou artificialmente a conta de luz com a renovação dos contratos de concessão de várias usinas hidrelétricas. O novo marco, que está em consulta pública até o dia 17 deste mês pelo Ministério de Minas e Energia, visa a desatar o nó do setor elétrico, dando a empresas médias a possibilidade de comprar energia no mercado livre e possibilitando que a Eletrobras venda suas usinas. A dúvida é se o governo federal terá condições de encaminhar as propostas de mudanças ao Congresso Nacional até o fim do ano.
— Estamos reorganizando o setor para dar mais transparência. Com o novo marco, vamos ter o aumento de investimentos e maior eficiência no funcionamento do setor. Teremos ainda uma mudança no modelo de investimentos — disse o secretário de Energia do MME, Paulo Pedrosa, que espera que as mudanças cheguem em setembro ao Congresso.
O novo marco vai estabelecer regras para o uso das térmicas a gás de forma contínua no sistema elétrico. De olho nessa expectativa, empresas já planejam investir mais. É o caso da Engie Brasil (ex-GDF Suez). O diretor de Gás da empresa, Emmanuel Delfosse, planeja investir R$ 8 bilhões nos próximos cinco anos no país:
— Estamos confiantes de que a crise política não atrapalhe o andamento do novo marco.
Fonte: “O Globo”, 07/08/2017
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