Autor Convidado: André Soliai
Primeira Leitura – 25 de maio de 2006
Uma das formas mais perversas de exclusão social no Brasil é a distribuição da violência. As principais vítimas da falta de investimento em segurança pública não são da “elite branca”, para usar expressão do governador paulista Cláudio Lembo.
A relação entre desigualdade e criminalidade não se dá apenas num sentido: sociedades mais desiguais tendem a ser mais violentas, com saiu a pregar o presidente Lula. Hoje, a violência aprofunda a desigualdade social no Brasil; perpetua a pobreza; e reduz o potencial de expansão econômica das comunidades mais carentes. O pobre não é a causa da violência. É, na verdade, a sua principal vítima.
No Jardim Paulista, em São Paulo, a chance de um morador morrer assassinado é menor do que na Finlândia, país com uma das melhores qualidades de vida do mundo. A taxa de homicídio no elegante bairro da capital paulista é de 2,66 para cada 100 mil habitantes; a taxa do país nórdico, de 3,24. Em São Miguel, bairro paulistano de baixa renda, a taxa de homicídio salta para 73,39, o dobro do índice da conflagrada Colômbia. A taxa média do município de São Paulo é de 37,56. Os dados para a capital estão num estudo publicado em setembro do ano passado no Boletim Epidemiológico Paulista.
Distribuir renda por meio de programas assistencialistas é a tarefa mais fácil entre os desafios do Estado para reduzir a exclusão social. A pobreza no Brasil transcende a questão monetária. É delineada também pela falta de qualidade dos serviços públicos e, em muitos casos, pela total ausência de determinados serviços. Nessa lista entram educação e saúde com qualidade. Mas também falta a presença do Estado mantenedor da ordem nas comunidades mais pobres.
Nos morros cariocas controlados pelo crime organizado ou nos bairros paulistanos que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tiraniza, o Estado não garante para os moradores nem o direito constitucional mais elementar, o de ir e vir. O direito à vida passou a ser uma concessão do crime. Nas favelas, os bandidos julgam e executam suas sentenças. Os vizinhos que se rebelam e aceitam colaborar com a polícia costumam ser assassinados, pois o Estado não é mais capaz de dar segurança. Criminosos decidem quando o comércio e as escolas devem fechar. Controlam, quando querem, a entrada e a saída de veículos. Cobram “pedágios voluntários” dos vizinhos.
Área cinza
A urbanista Raquel Rolnik, atual secretária de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, usa o conceito de exclusão territorial para descrever as cidades brasileiras. Dentro de uma mesma cidade, afirma, coexistem duas realidades: “Uma produzida pela iniciativa privada e contida dentro de uma detalhada legislação urbana, e a outra, três vezes maior, é produzida pelos mais pobres e se situa numa área cinza entre a legalidade e a ilegalidade”. Essa área cinza é justamente o local em que, além de escolas de pior qualidade (quando há), da falta de serviços de saúde, da inexistência de transporte adequado, a insegurança também é maior. Muitas vezes não há nem mesmo um posto policial para que os moradores possam pedir socorro.
O presidente Lula comete um equívoco grave quando, ao culpar a desigualdade pela violência, cria um dilema entre mais investimentos em escolas e na construção de presídios. Não será apenas com melhor escolaridade que o país conseguirá enfrentar a violência. Hoje, combater a violência, mais do que nunca, é combater a desigualdade. O Estado precisa subir o morro, ocupar as favelas, não só para prender bandidos que se refugiam nesses locais, mas para garantir maior justiça social. O crime não expressa uma luta social dos miseráveis contra a “elite branca”, não rouba dos ricos para dar aos pobres. O crime assalta ricos e pobres, mas são os últimos as maiores vítimas.
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