Segundo instituto de pesquisas, desaceleração econômica tem pouco a ver com uma crise internacional e está mais ligado à fraca demanda doméstica e à redução dos investimentos na produção
O fraco desempenho da economia brasileira, em recessão técnica, tem pouco a ver com uma crise internacional e está mais ligado à desaceleração da demanda doméstica e à redução dos investimentos na produção. A visão, contrária aos argumentos da presidente Dilma Rousseff e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, não vem da oposição ao governo, mas de uma ampla análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Divulgada sem alarde no site do Ipea, a Carta de Conjuntura derruba dois dogmas do discurso do governo federal. O Ipea reconhece a “recessão técnica”, ou seja, a queda da atividade econômica por dois trimestres consecutivos. O governo rejeita esse conceito. “Este resultado (do 2º trimestre) configurou um cenário de recessão técnica, uma vez que o Produto Interno Bruto (PIB) já tinha caído 0,2% no trimestre anterior”, diz no documento.
O instituto, vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência (SAE), também nega que a crise mundial seja a única explicação para o fraco resultado do PIB registrado ao longo dos últimos quatro anos.
A análise, assinada pela Diretoria de Estudos e Política Macroeconômicas, sai em um momento de crise interna no Ipea e de adiamento na divulgação de indicadores negativos para a economia às vésperas da eleição. Na semana passada, o diretor de Estudos e Políticas Sociais, Herton Araújo, pediu demissão após ser voto vencido em reunião da cúpula do Ipea que decidiu não divulgar análises com dados públicos durante o período eleitoral. Na ocasião, Araújo defendia a divulgação de estudo sobre miséria a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE.
Agora, a nova Carta de Conjuntura coloca ainda mais lenha na fogueira no debate político, partindo de análises econômicas. “Ao contrário de outros períodos em que o PIB caiu por dois trimestres consecutivos (por exemplo, 1998-1999, 2001, 2003 e 2008-2009), o momento atual não se caracteriza por crises externas, flutuações bruscas nos preços macroeconômicos e/ou “apagões” energéticos”, escrevem os analistas do Ipea. “A inexistência de culpados óbvios, isto é, de ‘choques negativos’ de grande monta, torna ainda mais significativo o fenômeno da estagnação econômica recente.”
Os economistas citam especificamente as últimas quatro crises vividas internamente, que deprimiram o PIB brasileiro. Entre 1998 e 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a economia sofreu os abalos da crise na Rússia e, na sequência, da maxidesvalorização do real, em janeiro de 1999. Dois anos depois, em 2001, o PIB recuou forçado pelo racionamento de energia no governo FHC, o chamado “apagão”. Em 2003, a economia reagiu mal à brusca desvalorização do real, contaminado pela radicalização do período eleitoral do ano anterior. Finalmente, entre o fim de 2008 e o começo de 2009, o Brasil foi atingido pela explosão da crise econômica mundial, nos Estados Unidos e na Europa.
“Reitere-se que, nas últimas décadas, recessões técnicas só ocorreram em momentos em que o país foi atingido por choques negativos importantes”, afirmaram os analistas do Ipea.
Trabalho – O Ipea destaca que, “ainda que o quadro atual de baixo crescimento econômico seja obviamente
indesejável, cumpre ressaltar que seus efeitos negativos têm sido mitigados pelo fato de a taxa de desemprego permanecer baixa e dos rendimentos reais continuarem crescendo”. O bom ritmo do mercado de trabalho tem suavizado os problemas macroeconômicos e mantido um nível geral de atividade que impede que o PIB recue a zero. Depois de crescer 2,7% em 2011; 1% em 2012 ; e 2,5% em 2013, o PIB deve fechar em cerca de 0,3% neste ano, segundo projeções do mercado financeiro. Na média, o governo Dilma Rousseff deve encerrar com um avanço do PIB de 1,6% do PIB.
Inflação e saúde fiscal – Quanto ao desempenho da inflação, o Ipea reconhece que o cenário de aumento de preços no Brasil “vem se mantendo pressionado, em patamar elevado”. De acordo com os economistas, o índice oficial (IPCA) fechará o ano em um nível superior aos 5,91% verificados em 2013. Isto é, estará ainda mais próxima do teto da meta perseguida pelo Banco Central, de 6,5%.
O Ipea também cita os atrasos nos repasses do Tesouro aos bancos, notadamente a Caixa Econômica Federal, no âmbito dos programas sociais e previdenciários, as chamadas “pedaladas fiscais”. Esses adiamentos reduziram artificialmente as despesas federais. Só depois da revelação da manobra, o Tesouro começou a corrigir o problema, que piorou o resultado fiscal do governo federal. Em paralelo, o Ipea assinala que houve “elementos incomuns do lado das despesas”, sendo os mais relevantes os pagamentos de abono e seguro-desemprego, que mais que dobraram, em termos reais, em relação aos registrados em agosto de 2013.
Fonte: Veja
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