Por acaso combater a inflação e estimular o crescimento econômico são coisas excludentes?
Claro que não.
No entanto, há quem diga que a presidente Dilma Rousseff não quer combater firmemente a inflação ou as tendências inflacionárias que surgiram no cenário da economia, para não prejudicar o crescimento econômico.
Não sei se ela chegou a dizer que prefere um pouco de inflação em lugar de um pouco de recessão. Se disse, foi um palpite infeliz – com licença do Noel Rosa.
Mas não creio que tenha dito, porque ela sabe muito bem, como sabem todos os economistas – menos aqueles que fingem que não sabem porque se engajam na política e ficam fazendo proselitismo contra ou a favor do governo de plantão -, que as duas coisas não se contradizem. E que, muito ao contrário, o combate firme às pressões inflacionárias e medidas prudenciais para evitar que elas se intensifiquem são coisas que favorecem o crescimento econômico. Coisa que todo mundo testemunhou desde 1994, quando a inflação foi derrotada.
Políticos de beira de esquina e alguns líderes sindicais boçais é que gritam contra qualquer medida de combate à inflação, dizendo que isso traz recessão, desemprego e tira o prato de comida da mesa do pobre…
Essa ladainha é manjada, e disparatada, mas ainda coloca na defensiva até os políticos honestos, que ficam com medo de perder votos caso contradigam o disparate e tentem explicar o contrário; e os administradores públicos, que também se retraem diante do argumento simplista de que atacar a inflação é causar desemprego.
Por outro lado, é relativamente fácil promover crescimento econômico e criação de empregos usando para isso meios inflacionários – basta inundar o mercado de dinheiro, aumentar os dispêndios públicos, aumentar o crédito, baixar os juros por decreto, baixar impostos, etc. Qualquer governante demagogo pode fazer isso com relativa facilidade, desde que as leis do país e a seriedade dos eleitores não o tolham. Mesmo quando o tolhem, sempre é possível dar um jeitinho, do que se aproveitou o nosso último governante.
O demagogo se beneficia do fato de que sua demagogia traz resultado imediato, pois, de fato, essa irresponsabilidade resulta rapidamente em aumento das atividades e do emprego em geral. Mas, ao contrário do que dizem ser a máxima dos marinheiros – “depois da tempestade vem a bonança” -, neste caso, depois da bonança é que vem a borrasca, ou seja, o disparo inflacionário, que a todos prejudica, empresas e pessoas físicas, de todas as classes. Só que esse efeito perverso demora um pouco para aparecer e ser percebido. Nos regimes democráticos, com sucessão regular de governantes, geralmente aparece no mandato seguinte ou no subsequente.
O irresponsável fica, então, na sua, com os dedões nos sovacos, abanando suas mãozinhas, assoviando com cara de paisagem e ainda dizendo “no meu governo isso não acontecia, o povo tinha emprego e vivia feliz”, ou coisa semelhante. É o que faz um notório político desta infeliz cidade de São Paulo quando alardeia as pontes, viadutos e vias que alegadamente mandou construir, sem mencionar o estado calamitoso em que deixou as finanças municipais.
Então, o problema estratégico que a presidente Dilma tem diante de si não é de escolha entre combater a inflação ou promover o crescimento econômico. É de sintonia fina, ou seja, de dosagem entre o combate denodado à inflação e o estímulo criterioso ao crescimento. As duas coisas podem perfeitamente caminhar juntas, com o devido bom senso, sem açodamento e sem recorrer a ippons de lutadores de judô, como pretendeu, certa vez, um ex-presidente brasileiro, que acabou dando um ippon em si mesmo.
Essa regulagem é feita no dia a dia, pelos organismos existentes para isso (CMN, BC, Copom, etc.), sem necessidade de pirotecnia, como foi, na semana passada, o ippon que o ministro Mantega aplicou para tentar refrear a valorização da taxa cambial – mais com a intenção de aumentar seu próprio arbítrio na política econômica e de restringir os do Copom e do BC do que para qualquer outra coisa.
Entre os economistas, alguns condenaram a medida, outros elogiaram e terceiros disseram que não sabem qual será o efeito. Essa terá sido a melhor resposta, pois, nessa área, nenhum palpite é mais qualificado do que qualquer outro. O certo é que o pacote faz parte das tentativas de atenuar as expectativas de inflação.
O resumo da ópera é que Lula deixou para Dilma uma inflação endêmica que, se não for combatida já, vira epidêmica. Lula fez o que dava alegria: aumentou salários, aumentou os gastos públicos, aumentou o crédito, aumentou a economia, o emprego, o comércio, a vontade de gastar dos consumidores, a vontade de investir dos empreendedores. Deixou para ela a parte chata: segurar o comboio da economia e do consumo, para que não descarrile logo mais!
E o tempo é curto: não dá para esperar até 2013, como parecia indicar a ata otimista da última reunião do Copom, porque, então, pode ficar comprometida a campanha para a reeleição.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 01/08/2011
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