O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio suspendeu, no último dia 9, o aumento do desconto previdenciário, de 11% para 14%, sobre os vencimentos dos servidores públicos estatutários, ativos e inativos, do estado. O aumento da alíquota havia sido aprovado pela Alerj, em janeiro de 2017, tendo em vista os crescentes déficits do Instituto de Previdência do funcionalismo estadual — Rioprevidência.
Demagogos e oportunistas, à direita e à esquerda, comemoraram a decisão judicial, desconsiderando os graves danos que tal medida acarretará ao fundo de previdência e, principalmente, aos cidadãos pagadores de impostos do estado, os quais já têm contribuído, com altas doses de sacrifício, para o saneamento do problema.
O deputado Flávio Bolsonaro, por exemplo, gravou um vídeo, divulgado nas redes sociais, rejubilando-se de ter conseguido, através de uma ação de sua autoria, bloquear o aumento da alíquota. Segundo o deputado, a conta da corrupção e dos desmandos no estado não pode ser cobrada dos servidores.
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O que o deputado não diz é que a conta terá de ser paga, de um jeito ou de outro. E que o contribuinte fluminense já arca com boa parte das receitas do fundo previdenciário dos funcionários — seja através da contribuição patronal (22% ou 28%, dependendo do regime), seja através da incorporação ao patrimônio do Rioprevidência dos royalties do petróleo (cuja receita já alcançou, só neste ano, R$ 3,6 bilhões), além de outros ativos públicos estaduais.
O deputado também não diz que as despesas com pessoal (folha, aposentadorias, pensões e outros encargos) já consomem mais de 72% das receitas estaduais (dados de 2016 do TCE), embora a Lei de Responsabilidade Fiscal limite estes gastos a 60%. O nobre parlamentar esquece também que a renda média dos cidadãos do estado, segundo dados do IBGE, é de R$1.866 (janeiro de 2017), enquanto a renda média dos servidores ativos e inativos soma R$ 5.100 (janeiro de 2017). Além disso, segundo dados do Ipea, de 2006 a 2016, o aumento salarial real dos servidores do estado foi de 48,2%, enquanto a média dos demais cidadãos brasileiros não passou de 21% no mesmo período.
Só nos cinco primeiros meses do ano, o déficit do Rioprevidência foi de incríveis R$ 1,5 bilhão, segundo dados do próprio instituto. Já o déficit atuarial técnico futuro (reservas matemáticas) alcança a espantosa marca de R$ 632 bilhões.
Os números acima não deixam margem para dúvida. Se o servidor público estadual não é diretamente culpado pelos desmandos, pela corrupção e pela incompetência de sucessivos governos, muito menos é o cidadão pagador de impostos.
Não me entendam mal. Sei o quanto várias categorias de servidores têm sofrido desde que a crise financeira do estado se instalou, há poucos anos. Também não acho que eles tenham culpa pela situação calamitosa em que nos encontramos. Mas pretender jogar mais esse custo exorbitante exclusivamente nas costas do contribuinte é um total despautério, além de uma enorme injustiça.
Irresponsabilidade fiscal tem limite. Não dá para tratar um assunto tão grave com demagogia, populismo e oportunismo político. Estamos diante de um problema atuarial (matemático) que precisa ser enfrentado com urgência, e os sacrifícios devem ser de todos, inclusive, senão principalmente, dos mais interessados. Alguém já disse, com grande sabedoria, que a realidade não é opcional. Não adianta jogar o problema para debaixo do tapete ou fingir que ele não existe.
Fonte: “O Globo”, 23/07/2018