Em tempos de intolerância e enfrentamentos estéreis, a educação tem aparecido como palco de atuações midiáticas, como na invasão de uma sala em que uma professora de história falava dos cem anos da Revolução Russa. Independentemente da visão de mundo da docente, não é com agressões a quem ensina que se resolvem diferenças de opiniões ou que se constroem debates saudáveis.
Nesse contexto vem à mente o relato de Stefan Zweig, em seu magnífico “O Mundo de Ontem”, sobre hordas de jovens bem treinados e financiados, promovendo ataques, em sua Áustria natal, logo antes da ascensão do nazismo e do Anschluss. O tumulto aparecia como necessário para dar vazão a um ressentimento sentido por parte da população com “tudo o que está aí”, como a presença de judeus em posição de comando, desemprego, impostos ou desfiguração da cultura nacional.
O mesmo fenômeno aparece em vertentes fundamentalistas islâmicas que preferem canalizar a revolta de uma juventude desempregada e sem chances de futuro não contra políticas públicas inadequadas, mas contra valores que promovem a emancipação da mulher, associando-a à libertinagem, ou a defesa da condição humana, vista por eles como fraqueza ou falta de firmeza e virilidade.
O advento desse fenômeno que a humanidade ainda não superou levou intelectuais americanos a republicar um livro de Sinclair Lewis que se tornou clássico nos Estados Unidos em 1935, com o sugestivo título de “Isso Não Pode Acontecer Aqui”, posteriormente adaptado para o teatro. O romance descreve a ascensão de Berzelius “Buzz” Windrip, um senador populista, eleito presidente com a promessa de conduzir reformas radicais e retomar o patriotismo e valores tradicionais, que logo após a eleição impõe um regime totalitário com a ajuda de uma terrível força paramilitar parecida com a de Hitler e da SS.
Trata-se de um alerta sobre a fragilidade da democracia e os riscos de mobilização popular em torno de ideias de um patriotismo vago e de visões conspiratórias repletas de meias verdades. Escrito durante a Grande Depressão americana, quando o país não estava ainda atento à agressão de Hitler, o livro é efusivo em alusões à raiva sentida por parte da população frente a desemprego, corrupção, sexo, crimes e à imprensa liberal, que Buzz, grande salvador da pátria em tempos de desespero, iria combater.
Não, isso não pode acontecer aqui. Não no Brasil, afinal, não faz parte da nossa cultura tão avessa a manifestações de ódio de massa e pouco disciplinada para optar por regimes que promovam cultos à personalidade ou ordem unida.
Infelizmente, pode sim e as aulas de história nunca foram tão relevantes como hoje. Ódio como política de Estado nunca mais!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 04/11/2017
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