A comissão do Senado que estudará uma proposta de reforma política, composta na maioria por ex-governadores e dois ex-presidentes da República, começa a trabalhar hoje já com uma tendência contra o voto proporcional prevalecendo. Com a disputa entre o voto em lista fechada e o “distritão” colocada na mesa de discussões, o debate receberá já de saída uma sugestão de peso: o senador Aécio Neves (PSDB-MG) propõe uma junção das duas propostas preponderantes para criar uma terceira via, em busca de um consenso que se mostra difícil de alcançar.
Se o “distritão”, sistema que parece ter a preferência, é uma espécie de jabuticaba política — só existirá no Brasil se for adotado —, Aécio propõe uma jabuticaba mista, isto é, que o voto em lista fechada seja adotado junto com o “distritão”.
O voto em lista fechada, em que o eleitor vota na legenda e o partido faz a lista dos candidatos, tem o apoio do PT, mas é rejeitado pela maioria dos políticos, e também pela opinião pública.
Os políticos, porque temem ficar nas mãos da “ditadura partidária”, na qual a direção terá poderes para montar a lista na ordem que lhe aprouver. Os eleitores, porque rejeitam a possibilidade de não votar diretamente no seu candidato, mas sim em uma lista que não pode ser mexida.
O “distritão” tem o mérito de valorizar o voto majoritário, elegendo os candidatos mais votados.
Se o primeiro fortalece os partidos de maneira radical, dando às suas direções o poder de escolher a ordem em que cada candidato entrará na lista, o segundo fortalece os candidatos, mas contribui para o enfraquecimento dos partidos. O ex-governador Aécio Neves acha que justamente por isso seria mais sensato unir as vantagens de cada um para neutralizar suas características prejudiciais.
Também o deputado federal Alfredo Sirkis (RJ), do PV, indicado como o membro titular do partido na comissão da reforma política, está terminando de preparar proposta no mesmo sentido, que considera ser a única que pode reunir “aquele dificílimo consenso sem o qual vamos continuar patinando eternamente”.
Tanto Aécio Neves quanto Sirkis acham que o voto distrital misto seria a melhor solução para o sistema eleitoral brasileiro, mas esbarram na impossibilidade de se chegar a um acordo sobre os critérios de divisão dos distritos.
O que dificulta a aprovação de sistemas eleitorais que adotem a divisão dos estados em distritos é o desequilíbrio na representação popular, com um distrito em São Paulo tendo muito mais eleitores do que um de um estado menos populoso. O eleitor dos grandes centros ficaria em desvantagem, seu voto valendo menos do que o do eleitor de um pequeno estado.
Há também o risco de a definição da vontade das maiorias ser uma tarefa difícil com 21 partidos disputando a eleição em um distrito para uma vaga. Haveria a contradição de um sistema majoritário eleger um candidato que tem apenas 15% do eleitorado. Para sanar o problema, a eleição distrital teria que ser disputada em dois turnos, o que complicaria ainda mais.
No entanto, o voto distrital tem, entre suas vantagens, a de abrir ao eleitor a possibilidade de trabalhar contra um candidato, e de fiscalizar o eleito, o que no atual sistema brasileiro simplesmente não existe.
No sistema proporcional de lista aberta que utilizamos, é grande a chance de o eleitor votar em um candidato e ajudar a eleger outro, que pode ser um com o qual ele não concorda e, às vezes, até gostaria de ver fora do Congresso. No de lista fechada, nem mesmo a chance de eleger seu candidato o eleitor terá, correndo o mesmo risco de eleger um outro que não gosta.
Isso porque as coligações partidárias nada têm a ver com o programa dos partidos, mas com o interesse eleitoral imediato. Por outro lado, o “distritão” torna a vida política brasileira ainda mais personalizada e a busca de coalizões de governabilidade um exercício mais individualizado, o que aprofundaria o fisiologismo.
Segundo Sirkis, o voto proporcional por lista é melhor para fortalecer os partidos, despersonaliza o debate, reforça as perspectivas mais programáticas, “mas não tem chance de ser aprovado, em seu estado puro, porque colide com os interesses da maioria dos políticos, representando uma difícil ruptura com uma cultura político-eleitoral muito arraigada”.
Assim como Sirkis, Aécio Neves acha que o voto em lista fechada vai permitir a participação de quadros políticos de alto nível, que não têm popularidade nem esquemas políticos que permitam sua eleição pelo sistema proporcional ou mesmo pelo “distritão”.
O nepotismo ou venda de vaga por caciques partidários, defeitos comumente apontados contra o voto em lista fechada, são considerados efeitos colaterais de vida curta, pois nesse tipo de voto a boa imagem do partido seria fundamental.
No “distritão”, o efeito principal seria privilegiar aqueles políticos com voto em detrimento dos que se elegem pelo que está sendo chamado de “efeito Tiririca”, mas já foi “efeito Enéas”, e assim por diante. Teríamos uma representação por um lado mais vinculada aos partidos e por eles melhor enquadrada programaticamente e, por outro, formada pelos políticos eleitoralmente mais representativos.
O perdedor seria o baixo clero, base do maior atraso político. Na proposta de Aécio Neves, os eleitos pelo voto em lista fechada podem até mesmo ser uma parcela minoritária, entre 30% e 40% dos candidatos, ficando o restante para o voto majoritário do “distritão”.
Já Sirkis propõe que as vagas sejam divididas meio a meio entre os dois sistemas. Na eleição parlamentar, os eleitores votariam primeiro no partido e depois, livremente, em um candidato individual.
Nos 50% por voto de lista, haveria uma cláusula de barreira a ser definida, abaixo da qual o partido não teria representação parlamentar.
Os candidatos que se elegessem no “distritão” por um partido que não atingiu os votos mínimos necessários poderiam se unir a um bloco parlamentar existente, ou permanecer avulsos.
Isso diminuiria o número de partidos, eliminando boa parte dos nanicos de aluguel, mas, provavelmente, preservando os ideológicos e programáticos como o PV e o PSOL.
Fonte: O Globo, 22/02/2011
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