O desafio do Brasil nos próximos anos é enorme. Se falharmos, estaremos comprometendo nosso futuro.
De um lado, a necessidade de um ajuste fiscal estrutural que garanta a estabilidade macroeconômica, que é alicerce para o crescimento. Não havendo compromisso do governo com reformas, a grave situação fiscal terá severo impacto sobre a economia, pressionando a taxa de juros.
De outro, as chamadas medidas microeconômicas para estimular a produtividade do País, que está estagnada. Essa é condição essencial para elevar o potencial de crescimento de longo prazo. Agenda tecnicamente complexa e que também esbarra em grupos de interesse.
Nas últimas décadas, conseguimos driblar nossas fragilidades fiscais e estruturais elevando a carga tributária e contando com o bônus demográfico, que em breve se esgotará. Não tem mais drible. Resta o enfrentamento.
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Há razões, no entanto, para uma visão construtiva.
O primeiro ponto é que o País exibe maior maturidade. Se há dois anos o time econômico de Dilma falava sozinho sobre a necessidade de reformas estruturais para ajustar as contas públicas e crescer, enquanto a classe política dava de ombros e muitos negavam o problema, hoje há maior consenso. A divergência está mais nas propostas de ajuste. O debate democrático e a construção de consensos ajudam a moldar a agenda econômica. Nesse contexto, a agenda microeconômica avança, com apoio (e pressão) de parte importante do setor produtivo.
Segundo, o quadro internacional, foco deste artigo, é importante elemento de sorte. Provavelmente a economia mundial está ingressando em um novo ciclo de crescimento. Há razões para acreditar que não são sinais falsos de aceleração: tanto economias avançadas como emergentes ganham tração, com retroalimentação do crescimento entre elas; a política fiscal nos países avançados está neutra ou expansionista, após severo aperto entre 2011-15; os indicadores bancários na Europa mostram maior solidez do sistema; e a China exibe um exitoso rebalanceamento da economia em direção ao aumento do consumo, com crescimento do crédito e do investimento imobiliário, mas com menor preocupação com bolhas.
O potencial de crescimento não está claro, principalmente pelas dúvidas em relação ao comportamento da produtividade, que no ciclo anterior de 2010-16 exibiu ganhos limitados. Vale registrar que o FMI espera avanço nos ganhos de produtividade nos próximos anos.
O cenário internacional tem seus desafios. Um dos principais talvez seja a tarefa dos bancos centrais dos países avançados de desmontar a injeção monetária dos últimos anos. Os sinais emitidos são de que o processo será cauteloso. Apesar do desafio, esse é um bom problema, pois reflete a melhora do quadro econômico. Fosse por conta de pressão inflacionária, o processo poderia não ser suave e tampouco benigno para os mercados.
Nesse contexto, o comércio mundial dá sinais de vida após a estagnação ao longo de 2016. É improvável que se repita a performance da década passada, quando o comércio mundial cresceu 7% ao ano, beneficiado pela entrada da China na OMC em 2001. Ainda assim, o quadro é de avanço.
Há vantagens nesse quadro mais modesto, que são os preços de commodities se manterem mais estáveis, reduzindo o risco inflacionário, diferente do ocorrido no passado, quando a inflação mundial rompeu 8% ao ano antes da crise global de 2008.
O quadro internacional – com aceleração moderada do crescimento e do comércio mundial, elevada liquidez, baixa volatilidade do mercado cambial e inflação bem-comportada – é propício para a estabilidade macroeconômica no Brasil e alimenta a perspectiva de taxas de juros mais baixas.
Há uma janela de oportunidade no cenário mundial que poderá elevar a disposição de estrangeiros e de locais de investirem no Brasil. Há recursos disponíveis. Haverá apetite para investimento produtivo desde que a estabilidade econômica esteja assegurada e haja melhora no asfixiante ambiente de negócios.
Temos alguns (poucos) anos até o fim do bônus demográfico. Se formos ambiciosos, muito poderá ser feito.
Fonte: “Estadão”, 31/08/2017
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