A divulgação dos resultados da Prova Brasil 2017 nos permite revisitar um tema recorrente sobre educação: a inexistência de um padrão de ensino nas redes municipais, associada a um alto grau de desigualdade entre as escolas públicas de um mesmo município.
Com o intuito de chamar a atenção para esse problema, o Instituto Alfa e Beto criou o Prêmio Prefeito Nota 10, desativado desde a última rodada da Prova Brasil por uma simples razão: apenas Sobral se repetiria como campeão ano após ano. Mas vale a pena analisar o tema à luz dos resultados da Prova Brasil 2017, recentemente divulgados.
O objetivo do Prêmio Prefeito Nota 10 era colocar em evidência redes municipais de ensino com número significativo de escolas com desempenho elevado e uniforme. Ou seja: uma rede de ensino com padrão elevado de ensino, e não com algumas escolas de excelência. Para isso, o prêmio tinha como pré-requisitos:
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. Municípios com mais de 20.000 habitantes, para haver um número suficiente de escolas.
. Pelo menos 70% dos alunos do município matriculados na rede municipal no 5o e 9o anos, como forma de chamar atenção para a ideia de uma “rede municipal de ensino”.
Para os poucos municípios que se enquadravam nesses requisitos, aplicamos um critério adicional para avaliar a qualidade: a quantidade de alunos com notas acima de 275 e 325 pontos em Matemática nas séries iniciais e finais do Ensino Fundamental, respectivamente.
Esse padrão nos permitia saber que pelo menos metade dos alunos se encontrava acima de uma nota razoável e que pelo menos 15% deles, em tese, poderiam disputar vagas em universidades competitivas, após concluir um ensino médio de qualidade. Algo próximo ao que oferecem as escolas privadas – elas próprias sabidamente ainda longe de um padrão internacional.
À luz da Prova Brasil 2017, os resultados não surpreendem: apenas Sobral atinge todos os critérios – até mesmo os três municípios mais próximos já se encontram bem abaixo, e o 100o da lista tem resultados medíocres. A lista inclui pouco mais de 600 municípios que atingem os critérios formais apresentados acima.
Dentre os 30 primeiros colocados, apenas 3 municípios têm entre 50 e 60 mil habitantes; dois têm entre 100 e 200 mil; e um tem mais de 500 mil. Isso significa que redes de maior porte têm maior dificuldade ainda de estabelecer e manter padrões elevados. Mas também significa que a maior parte dos alunos frequentam redes de ensino com escolas de padrão muito desigual.
Do ponto de vista regional, dentre os 100 primeiros colocados não há municípios do Norte e Centro-Oeste. Do total, 29 se situam no Ceará – e todos eles com 100% de municipalização. Em segundo lugar vêm os municípios paulistas – 28 ao todo. O fato de que os 100 municípios com melhores notas também estão entre os municípios com maior nível de municipalização sugere que ela não prejudica a qualidade. Pelo contrário.
Esses dados mostram que inexiste, no país, a cultura de “padrão de ensino” nas redes municipais – inclusive em municípios de pequeno porte. Os prefeitos cuidam da sua rede municipal e, mesmo assim, não conseguem assegurar padrões mínimos de qualidade.
Parece que o erro de base se concentra numa concepção de política educacional que trata todos os municípios de maneira igual e não sinaliza com clareza para a importância da municipalização. O governo federal considera a escola, e não a rede, como unidade de ação, confundindo seu papel com o papel dos municípios e atropelando a ação dos mesmos.
Fonte: “Veja”, 05/09/2018