Em 2013 eu e milhões de brasileiros tomamos as ruas do Brasil. Não era por 20 centavos. Era por um Brasil melhor, um país que funcionasse. Não havia coerência ou clareza ideológica entre os participantes. Havia apenas a esperança de que a ação coletiva de tomar as ruas produzisse a transformação.
Em 2015 e 2016 fui às ruas novamente, desta vez com um objetivo claro: o fim de um governo incompetente e corrupto que cometera fraude para mascarar a ruína do Estado brasileiro. O que nos movia era a indignação. Extirpar a cabeça do esquema que assaltava o país foi uma vitória real, embora insuficiente.
Em 2017, a “mãe de todas as delações” escancara a podridão do nosso sistema. A classe política joga abertamente contra a população. A julgar pelos últimos anos, seria o momento ideal para nos fazermos ouvir nas ruas novamente. E, no entanto, não nos mexemos. Por quê?
Se 2013 foi o ano da esperança e 2015 o da indignação, em 2017 ficamos sem nenhum dos dois.
Não há esperança sem a perspectiva de algo bom. Sempre repetimos que político “é tudo farinha do mesmo saco”. Isso não é estritamente verdade. Há graus: há quem burle regras eleitorais; quem roube para proveito pessoal; e quem roube para perpetuar um projeto de controle do país. Ainda assim, mesmo diferenciando os sacos de farinha, não dá vontade de levar nenhum. O menos pior não inspira.
Além disso, o sistema político é poderoso demais e detém as ferramentas para se perpetuar. A cultura e as instituições vencem os bons propósitos. Transformam a ética protestante dos alemães da Odebrecht em pixuleco. Não que a ética protestante, com toda sua repressão e neurose, nos fosse desejável. Mas seria importante acreditar que algo — algum ideal, alguma norma — pudesse ser preservado da nossa entropia moral. Sem isso, nenhum anseio persiste.
Não dá nem para se indignar. Chegamos ao ponto de saturação; nada mais choca. A partir de um ponto o cinismo toma conta. A revolta pelos ideais traídos dá lugar à suspeita de que todos os ideais são um truque para enganar os otários. A causa não está perdida; ela nunca existiu.
E ainda piora. A corrupção que nos deprime é problema pequeno dentre os que afligem o Brasil. Os R$ 10 bi desviados pela Odebrecht em nove anos não fazem cócegas no déficit primário de R$150 bi só neste ano, nos 13 milhões de desempregados, na aceleração do desmatamento e no analfabetismo funcional generalizado. Não tem a quem recorrer: o câncer já entrou em metástase. As luzes vão se apagando. Acabou.
Mas não toque ainda o tango argentino.
Felizmente, as sociedades não seguem o ciclo biológico. A morte não é o fim. Continuaremos a existir e a nos virar. A opção é dupla: ou assistir passivamente à terra arrasada e torcer para que os novos representantes sejam de outro material, melhores e menos corruptíveis, que seus antecessores. (Dica: não serão.)
Ou então aceitar um desafio mais ousado: refundar o Brasil. Dar início a uma Constituinte que redesenhe o formato e o papel do Estado e os incentivos para quem nele ingressa. Nada menos que um novo começar do zero está à altura da falência múltipla que nos paralisa. Em vez do país morto-vivo, apostar tudo na ressurreição. Se há um momento possível, é agora. Por que não estamos nas ruas?
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 18 de abril de 2017.
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