Em “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (ambos de Harvard) apontam para a recente erosão das normas políticas —regras informais que informam o jogo democrático.
Ela se manifestaria na diminuição tanto da tolerância mútua entre os contendores da disputa política quanto da “forbearance” (autocontenção no uso de estratégias que mesmo legais são entendidas como fora dos limites do jogo).
A dupla destaca entre as práticas que violam essa autocontenção o jogo pesado constitucional (“constitutional hardball”), que exemplificam com a tentativa de impeachment de Bill Clinton, que envolveu “a banalização de um instrumento extremo”.
A questão fundamental, para a qual os autores não dão resposta satisfatória, diz respeito as causas da erosão das regras informais. Eles acertam quando descartam as novas mídias como principal fator explicativo.
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De fato, as pesquisas empíricas quantitativas ainda não produziram evidências robustas de que os nichos produzidos pelas mídias sociais contribuam decisivamente para a polarização. Mas o argumento defendido no livro é que não há explicação universal e que no caso americano o fator decisivo é contingente: a mudança na composição racial da sociedade que produz uma ameaça à maioria branca.
Levitsky tem sido cauteloso ao falar do Brasil, mas pouco feliz ao estender ao caso brasileiro alguns dos argumentos do livro. Assim afirmou que o impeachment de Dilma Rousseff seria exemplo de jogo pesado constitucional. No entanto, entre 1990 e 2002, o PT apresentou 50 pedidos de impeachment em desfavor de presidentes, uma média anual de 4,16.
O jogo pesado constitucional teria começado então no início da década de 1990? A análise é pouco persuasiva: é consensual que tem ocorrido forte polarização na sociedade brasileira na última década, não antes.
A principal causa da polarização recente em nosso país foi o choque representado pelo mensalão e pelo petrolão. Muitos setores da sociedade enxergaram nesses episódios sinais não de jogo pesado, mas de vale tudo institucional.
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Os autores fazem uma bem-vinda elegia schumpeteriana da democracia representativa. Argumentam que foi a introdução das eleições primárias diretas que permitiu que um outsider como Donald Trump chegasse à Presidência, superando a resistência de lideranças do Partido Republicano.
O livro produzirá um certo arrepio no leitor brasileiro pela apologia que faz das “barganhas de bastidor em salas cheias de fumaça”. Quando deixarão de ser entre nós uma conspiração contra o interesse público? A questão não é retórica, pois não há democracia sem partidos ou políticos profissionais.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 20/08/2018