“É Duda Mendonça!”, exclamaram tantos analistas em 2002, quando Lula conquistou o Planalto. “É João Santana!”, começam a dizer agora, no rastro das pesquisas que indicam uma dianteira de Dilma. O diagnóstico estava errado ontem –e continua errado hoje. A campanha eletrônica da presidente-candidata é muito melhor que a de Aécio, mas por razões estranhas às técnicas de marketing. No fundo, o predomínio de Dilma na telinha deve-se, justamente, à sábia descrença do lulopetismo nos poderes encantatórios do marqueteiro.
“O que parece, é!”, ouvi de um publicitário, anos atrás, numa mesa-redonda sobre o valor da Copa do Mundo para o Brasil. O brilho exterior do evento da Fifa justificava-o automaticamente, gerando por si mesmo efeitos benéficos em diversos níveis, argumentava o profissional do marketing. Ele não sabia que a ciência só existe porque as aparências enganam: afinal, não é o Sol que gira ao redor da Terra. As ferramentas do marketing funcionam bem no universo do consumo, mas não no da política. O primeiro tem como centro o indivíduo e seus desejos de consumo. O segundo estrutura-se em torno da sociedade e dos valores coletivos. A publicidade de Dilma é superior pois opera no universo da política, não no do marketing.
“Nós contra eles”: pobres versus ricos, povo versus elite. O tema invariável do lulopetismo brota da extensa tradição populista, inaugurada no Senado romano. Mesmo enveredando pelas trilhas da difamação e da mentira, a propaganda de Dilma jamais renunciou ao registro da política. A propaganda de Aécio, pelo contrário, apenas roçou as fronteiras do discurso político, esterilizando-se no registro do marketing. O candidato oposicionista não soube dizer que Dilma não é o que parece.
“Aécio é o Brasil sem medo do PT.” Na sua melhor frase, a campanha dos tucanos contrapôs “o Brasil” ao “PT”, utilizando a ideia de unidade como antídoto contra o discurso da divisão (“nós contra eles”). É política, mas só até a página 3. Segundo a lógica binária dos marqueteiros, existem apenas as alternativas do discurso “positivo” (propostas) e do “negativo” (ataques). Aécio oscilou entre os comportamentos polares, ao sabor das pesquisas qualitativas. A lógica conflitiva da política, contudo, exige o emprego da crítica, um recurso situado além do espectro de opções do marketing.
“Os ricos nunca ganharam tanto dinheiro quanto no meu governo.” Na frase de Lula encontram-se as chaves para a crítica dos governos lulopetistas –isto é, para desvendar a empulhação veiculada pelo discurso populista. Aécio martelou o prego da inflação crônica, mas não esclareceu suas relações com a persistência de taxas de juros que desviam a riqueza social para o sistema financeiro. O candidato também não acendeu um holofote sobre o “bolsa empresário” do BNDES, iluminando a face oculta da “mãe dos pobres”. Ele insistiu no escândalo da Petrobras, mas não explorou seu potencial pedagógico, explicando o lugar ocupado pela estatal na santa aliança da coalizão governista com as grandes empreiteiras. O marketing está para a política como o ensino fundamental está para a universidade.
“Escolas e hospitais padrão Fifa.” Os manifestantes das Jornadas de Junho ofereceram uma bússola para as oposições, gritando nas ruas que a função do Estado é gerar bens públicos, não soprar bolhas de consumo com os foles do crédito, dos subsídios e da dívida. Os tucanos deixaram passar a oportunidade de mostrar as imagens das manifestações e de abrir um diálogo honesto com a maioria dos brasileiros, que as apoiaram. Provavelmente, escutaram o alerta de marqueteiros sobre os riscos de avivar a memória de um movimento avesso ao conjunto da elite política. O marketing teme a incerteza, que é inerente ao mundo da política.
João Santana não ganha eleições. No máximo, empacota um discurso eficaz.
Fonte: Folha de S.Paulo, 25/10/2014.
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