Independentemente da decisão do plenário do TCU sobre as contas do governo Dilma, e de seu destino político no Congresso Nacional, uma coisa todos podem estar certos: algo mudou definitivamente na relação da sociedade com a corte de contas que assessora o Legislativo federal.
O interesse despertado acerca do tribunal de contas tem levado movimentos de controle social a fazerem vigília em frente à sede da instituição, com suas velas acesas formando o já conhecido “SOS TCU”. E isto constrange a ação política de suas excelências deputados e senadores. Organizações de servidores dos tribunais de contas, como ANTC, Ampcon e AudTCU, e até associações de outras carreiras de Estado como a ANAUNI, dos advogados públicos, ou da ANPR, dos procuradores da República, também agiram, fazendo divulgar notas em apoio à autonomia constitucional do tribunal e repudiando ingerências políticas. O que também constrange a classe política. Além do que, cidadãos comuns têm criado petições em sites de abaixo-assinados. Toda essa movimentação e interesse de amplas camadas da sociedade sobre o que se passa numa das instituições de Estado mais importantes, posto que fiscalizadora dos gastos públicos, foi uma das notícias mais importantes que tivemos nos últimos tempos. Pois se trata de saber de sua efetividade ou não. O que prova que estamos construindo instituições junto com uma cultura de plena cidadania contra a cultura de impunidade, a miséria política dos que se apossam da República e, sobretudo, a corrupção generalizada de valores morais cultivada no nosso imaginário social.
E um desses valores mais desentendidos ou corrompidos – principalmente por parte de políticos profissionais e produtores de conteúdo de uma boa parte da mídia – é justamente a política. Quando se desentende a nobre atividade da política como reles disputa partidária, briga pelo poder, negociatas de varejo do toma lá, dá cá, escaramuças entre grupos corporativos, ou mesmo a batalha diuturna da demagogia pelo voto nosso de cada eleição.
[su_quote]Política é colocar – e fazer colocar – o interesse do país acima das ambições partidárias ou eleitorais do momento[/su_quote]
O que temos hoje? A presidente da República pensa na política como instrumento para se safar de um processo de impedimento. O presidente da Câmara dos Deputados pensa na política como estratégia para encobrir graves acusações de desvio de recursos públicos. A cúpula do Judiciário pensa na política como facilitadora de seus pleitos corporativos por maiores vencimentos e outros penduricalhos disfarçados de prerrogativas. A grande mídia pensa na política como fonte de quid pro quo rocambolescos e policiais para conquistar leitores e audiência. Ora, convenhamos, a política não pode ser reduzida a politicagem, ou associação para o crime de pilhagem da coisa pública.
Política é muito mais que isso. Para além da definição que diz “a arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados”, política é colocar – e fazer colocar – o interesse do país acima das ambições partidárias ou eleitorais do momento. Ou simplesmente, colocar o interesse público acima do interesse privado ou corporativo de qualquer espécie. Para que se garanta de fato o interesse maior de quem carrega nas costas a conta toda do poder público que são os cidadãos eleitores e pagadores de impostos. Se políticos profissionais não pensam, no fundo, nos interesses do país, que seja então a sociedade a fazer isso.
Uma das propostas de um programa de desenvolvimento da cultura de cidadania é empoderar um número cada vez maior de cidadãos para que, por sua própria conta e conhecimento, venham a fiscalizar o uso dos recursos públicos. Henrique Ziller, auditor de controle externo, gravou um vídeo-depoimento para nosso programa de Agentes de Cidadania sobre uma iniciativa na área da saúde pública, a Auditoria Cívica da Saúde. O Instituto de Fiscalização e Controle, de Brasília, percorre regularmente diversas cidades pelo Brasil – devidamente acompanhado por auditores de tribunais de contas e membros do Ministério Público, além de advogados, contadores e especialistas em saúde pública – para oferecer palestras a grupos de cidadãos interessados em aprender como monitorar os gastos no setor. Depois, são elaborados relatórios com sugestões e medidas a serem tomadas para corrigir os desvios. Essas minutas são levadas aos gestores públicos e a partir daí são acompanhadas pelo próprio Ministério Público.
Segundo Ziller, os resultados têm sido bastante positivos e poderiam ser ainda melhores: “A presença do cidadão no município é um fator muito importante para o sucesso das iniciativas dos órgãos de controle. Por sua vez, estes precisam compreender o que está sendo feito e se mostrarem abertos a essas parcerias que, com certeza, terão resultado excelente para a população em geral”. O maior trabalho de cidadania de uma verdadeira elite – os melhores de nós, e não necessariamente os mais afortunados – começa na conscientização e na mobilização de outros cidadãos para a importância do controle social sobre políticos, gestores e orçamentos públicos.
Como está dito em nossa apresentação: “A política é importante demais para ficar nas mãos dos políticos”, uma paródia da célebre frase do diplomata americano Chester Bowles “O governo é grande e importante demais para ficar nas mãos dos políticos”.
Fonte: Época, 8/10/2015
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