Há gente desencantada com o jornalismo e fascinada com as redes sociais. Acredita, ingenuamente, que a balbúrdia do mundo digital vai resgatar a verdade conspurcada. Como se as redes fossem um espaço plural que se contrapõe a uma suposta hegemonia da mídia tradicional. Não percebe, talvez involuntariamente, que a internet tende a criar redutos fechados, bolhas impermeáveis ao contraditório, um ambiente embalado ao som do Samba de Uma Nota Só.
Sou apaixonado pelo jornalismo. Escrevo na imprensa tradicional e participo intensamente das novas mídias. Ambas são importantes. Não são excludentes.
Em tempos de tentativas de censura à liberdade de expressão, precisamos desenvolver um constante exercício de autocrítica. A reinvenção do jornalismo passa, necessariamente, pelo retorno aos sólidos pilares da ética e da qualidade informativa.
A crise do jornalismo está ligada à falência da objetividade e ao avanço do subjetivismo engajado. Quase sem perceber, alguns jornais sucumbem à síndrome da opinião invasiva. Ganham traços de redes sociais. Falam para si mesmos, e não para sua audiência. Como disse João Pereira Coutinho, “não são as redes sociais que matam os jornais, são eles próprios que se suicidam quando seguem o exemplo das redes”.
É preciso apostar na informação. Sentir o cheiro da notícia. Persegui-la. Buscar novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeças para apresentá-lo o mais completo possível. Dentre as competências necessárias para exercer um bom jornalismo, algumas parecem ser inatas e por mais que se tente aprender, inútil será o esforço. É assim o tal “faro jornalístico”. Uma capacidade quase inexplicável que alguns profissionais têm de descobrir histórias inéditas, de furar a concorrência e manter pulsando a certeza de que é possível produzir conteúdo de qualidade que sirva ao interesse público.
Mais de Carlos Alberto Di Franco
Jornalismo propositivo e inovador
Mundo digital e faro jornalístico
Audiência em alta: até quando?
Nunca se pôs em xeque o papel essencial do instinto jornalístico. Nem eu pretendo fazê-lo agora. Como já venho reiterando há tempos neste espaço, apenas essa vibração será capaz de devolver a alma que, por vezes, percebo faltar ao trabalho das redações. O que quero é acrescentar um aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem fundamentada.
Realidades que pareciam alheias aos negócios da mídia estão cada vez mais próximas dos veículos. É o caso do Big Data. A cada dia os acessos digitais aos portais de notícias produzem quantidades incríveis de dados sobre o comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes de enxergar o potencial que há por trás dessa montanha de informação desestruturada. Nas redações brasileiras multiplicam-se as telas coloridas que trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos mirabolantes. Ao final de um dia de trabalho, qualquer editor está habilitado a responder quais foram as reportagens mais lidas. Mas e depois disso? Já não basta que definamos nós o que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. O ambiente digital rompeu a comunicação unidirecional que por muitas décadas imperou nas redações. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se confinavam alguns jornalistas, que produziam notícias para muitos, menos para seu leitor real. Além disso, perdemos o domínio da narrativa. Chegou a hora das pautas com pegada.
Consumidores de jornais mostram cansaço com o excesso de negativismo de nossas matérias. Trata-se de um fato percebido nas redes. Ao longo deste ano, alguns jornalistas da grande mídia, sobretudo na cobertura de política, em nome de suposta independência, têm enveredado excessivamente pelo que eu chamaria de jornalismo de militância. E isso não é bom. Não fortalece a credibilidade e incomoda seus próprios leitores. Na verdade, há um crescente distanciamento entre o que veem e reportam e o que se consolida paulatinamente como fatos ou percepções das suas próprias audiências, posto que a estas foi dado o poder de fazer suas reflexões e até mesmo apurações, facilitadas e potencializadas pela internet.
Não se trata, por óbvio, de ficarmos reféns do leitorado. Os jornais, frequentemente, têm o dever ético de dizer coisas que podem não agradar a seus leitores. Mas é preciso não perder conexão com as percepções do público.
É necessário perceber, para o bem e para o mal, que perdemos a hegemonia da informação. Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo. Precisamos olhar para nossas coberturas e questionar-nos se há valor diferencial no que estamos entregando aos nossos consumidores. Sabendo que se a resposta for negativa poucas serão as possibilidades de monetizar nosso conteúdo. Afinal, ninguém pagará pelo que pode encontrar de forma similar e gratuita na rede.
Sou otimista quanto ao futuro das empresas de comunicação, mas não deixo de considerar que o renascer do nosso setor será resultado de um doloroso processo. Exigirá uma boa dose de audácia para dinamitar antigos processos e modelos mentais que até este momento vêm freando as tentativas de reinvenção.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 27/7/2020