Todas as atenções estão voltadas para a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a proposta de reforma da Previdência. Na noite desta quarta-feira (3), após um dia incessante de discussões, o relator Samuel Moreira (PSDB – SP) apresentou a terceira versão do parecer. A sessão foi retomada nesta quinta (4), quando os parlamentares votaram a favor do relatório (veja aqui). A pedido do Instituto Millenium, o economista José Márcio Camargo comentou os principais pontos do texto. Ouça!
Estados e municípios estão fora da proposta, que valerá apenas para aposentadorias pagas pela União
José Márcio Camargo: O impacto é muito grande e varia de estado para estado. Alguns têm mais inativos do que funcionários ativos, como por exemplo o Rio Grande do Sul. O Rio de Janeiro está perto disso. Há muitos estados praticamente falidos exatamente porque a Previdência tem um déficit enorme e você não consegue compensar com a arrecadação dos impostos. O relatório não contempla esse problema e isso preocupa porque cada estado terá de fazer sua própria reforma. Por que isso é difícil? Na minha avaliação, em geral, os funcionários públicos dos estados têm uma influência política e social muito maior. O médico na pequena cidade, por exemplo, é conhecido de todos e é uma figura importante, consequentemente, prefeitos e governadores não vão querer ser contra esse grupo relativamente forte do ponto de vista de formação da opinião pública. Isso torna a reforma a níveis estadual e municipal muito mais difícil de ser feita.
Por outro lado, alguns governadores, principalmente os do Nordeste, não estão se empenhando em aprovar a reforma, apesar de serem favorecidos, exatamente porque não querem ser percebidos como um dos apoiadores.
As cobranças extraordinárias de servidores da ativa, aposentados e pensionistas voltaram ao texto, mas valerão apenas para funcionários da União
José Márcio Camargo: Elas podem ser importantes porque aumentam a arrecadação da Previdência Social. A função dessas contribuições extraordinárias é exatamente diminuir o déficit do sistema dos funcionários públicos, que é muito grande dada a sua generosidade. Lá no futuro, essa reforma vai fazer com que os sistemas do funcionalismo e dos trabalhadores do setor privado convirjam para um só, mas, na transição, ainda o regime do funcionalismo continuará sendo muito mais deficitário do que o dos trabalhadores do setor privado.
Aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 15% para 20% para bancos médios e grandes
José Márcio Camargo: Primeiro, acho que não está na hora de aumentar o imposto no Brasil porque a gente já tem uma carga tributária muito grande. Segundo que a ideia de que aumentando imposto sobre instituição financeira quem vai pagar é o banco é totalmente equivocada. Isso vai ser transferido para as tarifas bancárias e, consequentemente, quem vai pagar será o cliente.
Idade mínima dos servidores públicos federais permanece prevista na Constituição
José Márcio Camargo: O ideal é que não fosse constitucionalizado. Não tem nenhuma razão para manter as regras do sistema de Previdência Social na Constituição. Eu não conheço todas as Constituições do mundo, mas as que já vi não englobam essas regras. O problema disso é que dificulta qualquer mudança. Se você tem um déficit de R$ 300 bilhões ao ano, por exemplo, como temos hoje, para mudar a regra temos que alterar a Constituição e, para isso, precisamos de 60% dos votos dos deputados e senadores em duas votações na Câmara e no Senado, o que é muito difícil de conseguir.
Economia prevista em mais de R$ 1 trilhão abre caminho para discussão da capitalização futuramente
José Márcio Camargo: A discussão sobre a introdução do sistema de capitalização é muito importante porque hoje a gente tem um sistema de repartição onde o trabalhador que está na ativa financia as aposentadorias de quem está inativo. Atualmente, temos sete trabalhadores na ativa para cada inativo, ainda assim, o sistema previdenciário brasileiro é um dos mais caros do mundo, basta ver o seguinte: o trabalhador contribui com 11% do seu salário todos os meses e a empresa, com mais 20% do salário dos funcionários ao mês, ou seja, a Previdência custa ao trabalhador 30% de seu salário. Além disso, ainda dá um déficit de mais de R$ 200 bilhões de reais, ou seja, temos um sistema caro e, ainda assim, possuímos um déficit elevado. Daqui a 40 anos, vamos ter dois trabalhadores contribuindo para cada aposentado, porque a população envelhece muito rapidamente. Podemos imaginar quanto esses trabalhadores terão que contribuir com seu salário para sustentar o número de aposentados que teremos naquele momento. Claramente é insustentável.
Uma alternativa é exatamente criar o sistema de capitalização, que pode ser puro, misto… É uma discussão que terá de ser feita no futuro. Na capitalização, cada trabalhador contribui para a sua própria aposentadoria enquanto estiver trabalhando. Ele poupa uma parte do seu salário todos os meses, coloca em um fundo de investimento, que investe no setor real da economia e gera uma taxa de retorno. Ao se aposentar, ele tem acesso ao dinheiro acumulado ao longo da sua vida útil. O envelhecimento da população vai tornar o sistema de repartição insustentável.
Sobre a proposta
José Márcio Camargo: Não existe a proposta perfeita. Acho que a enviada pelo governo é boa e o relatório do relator é bom e preserva uma poupança adequada. Tem alguns problemas que incomodam, como a contribuição social sobre lucro líquido. Outro ponto é o fato dos professores terem uma idade mínima para se aposentar menor do que o resto da população. Não existe nenhuma ocupação mais interessante do que a do professor, que está sempre em contato com a juventude e ideias diferentes, e aos 57 anos, idade mínima da proposta, quando ele está no auge da capacidade de transmitir conhecimento aos jovens, se aposenta. É um desperdício de capital humano espetacular num país que tem muito pouco capital humano acumulado. Apesar disso, foi feito o possível e é assim que funciona a democracia. A reforma deverá ser aprovada na Comissão esta semana e provavelmente na Câmara na semana que vem.
Mudanças no setor de segurança pública
Após pressão de categorias da segurança pública, que envolve policiais federais, rodoviários federais e ferroviários federais, o governo enviou uma proposta para mudar a idade mínima para 53 anos (homens) e 52 anos (mulheres), incluindo uma regra de transição de 100%. Como não houve acordo entre as categorias, foi mantida a idade mínima de 55 anos para ambos os sexos.